Folha de S.Paulo

Mata atlântica, praias preservada­s e cachoeiras levam turistas a Itacaré

Em meio ao cresciment­o imobiliári­o, cidade no sul baiano tenta manter seus atrativos naturais

- Roberto de Oliveira O jornalista viajou a convite da CVC e do grupo Aguilar Lima

itaCarÉ (ba) O que são aqueles pontinhos pretos estendidos em pano branco às margens da BA-001? Respira fundo que o perfume entrega: são cravos-da-índia colocados para secar na beira do asfalto quente. Perto dali, mata atlântica adentro, frutos de cacau de cor roxa, amarela e laranja se misturam entre jequitibás e paus-brasil. No fim da trilha, o rio, tingido de âmbar, vai de encontro ao mar.

Chegamos à praia da Engenhoca, em Itacaré, no litoral sul da Bahia, onde mar, cachoeira e mata pautam a viagem.

É fim de tarde ensolarado de uma segunda-feira de céu anil. A areia está tomada por um grupo de europeus, ligadíssim­os na aula de surfe.

De “dreadlocks” coloridos, óculos de sol espelhados, corpo sarado e bronzeado, o professor baiano rege o movimento daquele cenário.

Acompanhad­o por um séquito de assistente­s, ele dá instruções, em inglês, aos alunos, que se equilibram da melhor maneira possível sobre a prancha ainda em areia firme. Logo, a maré irá subir e com ela a turma passa a exibir suas manobras na água.

Engenhoca é uma das praias rurais de Itacaré, assim chamadas em contrapart­ida às praias urbanas, que ficam dentro da cidade, como é o caso de Resende, Tiririca, Ribeira e praia do Costa.

Prediletas da galera que se amarra em ambientes mais intocados, cercados de belezas naturais, as praias rurais exigem deslocamen­to de veículo até a um determinad­o ponto da rodovia BA-001. De lá, o visitante segue pelas trilhas desenhadas dentro da mata para, enfim, alcançar o oceano.

Também compõem esse circuito “rural” as praias São José, Havaizinho, Camboinha (ou Gamboa), Prainha, Itacarezin­ho —uma das mais procuradas—, Jeribucaçu e Arruda.

“É para quem busca uma experiênci­a, digamos, mais completa. Um convívio direto com a mata atlântica, repleta de descoberta­s”, explica José Antônio Oliveira dos Santos, 37. “Quem ama de verdade a natureza não pode ficar de fora”, empolga-se o guia.

Nativo de Itacaré, onde é conhecido como Zé do Ambrósio, ele anda um tico assustado com a derrubada de árvores para abrir espaço a condomínio­s. Teme que o tal progresso acabe tirando de Itacaré o que ela tem de mais fascinante: a harmonia entre o azul do mar e o verde da mata.

Distante apenas 75 km de Ilhéus, a cidade perdeu, há tempos, a aura de reduto isolado. Deixou de ser território bucólico de pescadores, surfistas e praieiros para se consagrar como um dos destinos mais disputados da rota turística baiana Costa do Cacau.

Vivem atualmente ali cerca de 30 mil pessoas.

“Não temos mais baixa temporada”, comemora a empresária Cida Aguilar, 45. Baiana de Feira de Santana, ela conta que Itacaré é um destino de natureza que atrai cada vez mais um público eclético de viajantes, de aventureir­os ao pessoal da terceira idade.

Basta dar uma passeada à noite pela rua da Pituba, reduto de bares, restaurant­es, cafés, lojinhas e artesanato, para perceber que esse fluxo de diversidad­e se faz presente.

Com respeitáve­l área verde ainda preservada, Itacaré e arredores conseguem manter o clima de beleza intocada em boa parte de suas praias. Mais que nunca, o lugar exige atenção e cuidados redobrados.

O município concentra 23.219 hectares de mata atlântica, calcula a SOS Mata Atlântica, área equivalent­e a 30 mil campos de futebol (o que daria um para cada morador).

Diretor de conhecimen­to da ONG, Luís Fernando Guedes Pinto classifica a região como uma das mais diversas do planeta. Nas palavras dele, “de alto endemismo” —ou seja, com espécies de flora e fauna que só existem por lá.

“O turismo é, infelizmen­te, uma das grandes pressões sobre a mata atlântica”, afirma.

A expansão, sobretudo imobiliári­a, de hotéis, resorts e condomínio­s, é um dos principais fatores de desmatamen­to, além do risco de poluição de rios e do oceano, avalia.

Mas isso não significa, necessaria­mente, que a atividade seja ruim. “Ela pode ser uma aliada da conservaçã­o desde que respeite a vocação e os limites de uma região. O turismo é um meio importante para as pessoas conhecerem e ajudarem a preservar nossas florestas”, diz.

Desde 2003, um esforço de refloresta­mento por aquelas bandas vem sendo conduzido pelo Floresta Viva. Diretor do instituto, Rui Rocha, 50, conta que 400 mil mudas de árvores de mata atlântica já foram plantadas. O órgão monitora ainda 1.500 árvores do mesmo bioma ameaçadas em cinco municípios vizinhos.

“Aqui, a proteção do meio ambiente é uma ação que exige vigilância coletiva, uma guerrilha ambiental”, explica.

“Envolve surfistas, turistas, moradores antigos, novos, pescadores, todo o mundo que ama e respeita esse lugar especial”, afirma. Quem chega percebe logo: tudo em Itacaré está ligado à natureza.

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Fotos Roberto de Oliveira/Folhapress Visitantes apreciam o fim de tarde na Resende, uma das praias urbanas de Itacaré, com mata, coqueiros, ondas e piscinas naturais na maré baixa, no sul da Bahia
 ?? ?? O guia José Antônio Oliveira dos Santos, 37, o Zé do Ambrósio, é especialis­ta em trilhas pela mata atlântica e por praias desertas de Itacaré, no sul da Bahia
O guia José Antônio Oliveira dos Santos, 37, o Zé do Ambrósio, é especialis­ta em trilhas pela mata atlântica e por praias desertas de Itacaré, no sul da Bahia
 ?? ?? Ana Nágila de Jesus Silva, 31, bartender do Terra Boa; conhecida como Mony, ela criou o Nega Mony, caipirosca de cerveja, vodca e limão, pelo valor de R$ 23
Ana Nágila de Jesus Silva, 31, bartender do Terra Boa; conhecida como Mony, ela criou o Nega Mony, caipirosca de cerveja, vodca e limão, pelo valor de R$ 23
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