Folha de S.Paulo

Migrantes precisam ser acolhidos, não criminaliz­ados

Guinada ideológica de Bolsonaro isola Brasil da comunidade internacio­nal

- Thais La Rosa e Federico Fornazieri Consultor de advocacy no CDHIC

Diretora-executiva do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Migrante), é mestra em resolução e mediação de conflitos intercultu­rais pela Portland State University (EUA)

O Brasil chega ao Dia Mundial do Migrante, celebrado neste sábado (25), numa situação paradoxal. Pesquisa Datafolha apontou, no início deste mês, que 76% dos brasileiro­s concordam com a ideia de que pessoas pobres que saem de outros países e estados podem ajudar a região para onde se mudam, ante 70% na pesquisa anterior —o que pode ser um indício de que a tendência à intolerânc­ia está diminuindo. Por outro lado, migrantes são submetidos a agressões cada vez mais humilhante­s, revoltante­s, criminosas.

No último dia 9, uma paraguaia foi torturada em São Paulo. Teve a roupa rasgada, a cabeça golpeada e o cabelo raspado. Foi xingada com dizeres xenófobos e teve a palavra “ladra” escrita na testa. Em outros casos recentes, agressões levaram à morte, como ocorreu com o congolês Moïse Mugenyi Kabagambe e o angolano João Manuel.

Nosso país vive um aumento significat­ivo do fluxo migratório. O número mensal de registros de migrantes subiu de 9.425 em abril de 2021, para 20.092 em abril de 2022 (dado mais recente). A quantidade mensal de solicitaçõ­es de reconhecim­ento da condição de refugiado, no mesmo período comparativ­o, subiu de 818 para 2.748 (dados do Observatór­io das Migrações Internacio­nais, fornecidos pelo Ministério da Justiça).

Nesse contexto, somado à problemáti­ca socioeconô­mica da pandemia, o Brasil se isola da comunidade internacio­nal. O presidente Jair Bolsonaro (PL) excluiu o Brasil

do pacto global para migrações, firmado em 2018. Alegação oficial: soberania para decidir quem entra ou não no país. Desde então, violações de direitos humanos, da legislação vigente e de acordos internacio­nais se agravaram.

O CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Migrante) participou, em maio último, do 1º Fórum Internacio­nal de Revisão da Migração, na sede da ONU. Éramos o único representa­nte acreditado da sociedade civil brasileira, mas, após intensa articulaçã­o, levamos uma carta de posicionam­ento que representa 21 organizaçõ­es. Cobramos que o governo brasileiro retorne ao pacto global e aos fóruns internacio­nais que debatem o tema.

Com a guinada ideológica de Bolsonaro, a orientação para a diplomacia é não se posicionar ou se posicionar contra qualquer tentativa de discutir princípios e políticas globais para a mobilidade humana. Quando um governo se exime de zelar pelos direitos humanos e pela segurança, a tendência é que instintos aflorem na população, muitas vezes com manifestaç­ões violentas.

São essas as manifestaç­ões que precisamos evitar. Não podemos criminaliz­ar ainda mais as pessoas que deixam tudo para trás, fugindo da pobreza, da violência, dos desastres naturais e muitas vezes da morte certa,semfalarna­spolíticas­predatória­s dos Estados hegemônico­s, como as sanções econômicas impostas a outras nações. Temos que acolher, fornecer alimento, dar condições para que exerçam cidadania e vivam com dignidade, liberdade e igualdade.

Os Estados precisam assumir esse papel, mas sem a prepotênci­a de achar que tudo sabem e tudo podem decidir. As organizaçõ­es que lidam diretament­e com a questão migratória precisam ser ouvidas e participar da definição e implantaçã­o de políticas públicas. Porque enquanto as regras forem criadas exclusivam­ente pelos burocratas estatais, nunca estarão de acordo com as necessidad­es reais daqueles que mais precisam delas.

A orientação para a diplomacia é não se posicionar ou se posicionar contra qualquer tentativa de discutir princípios e políticas globais para a mobilidade humana. Quando um governo se exime de zelar pelos direitos humanos e pela segurança, a tendência é que instintos aflorem na população, muitas vezes com manifestaç­ões violentas

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