Folha de S.Paulo

Condenação de dupla por perturbar Moraes teve atropelos

Bolsonaris­tas foram condenados a 19 dias de prisão em regime aberto

- Renata Galf

são paulo Uma dupla de manifestan­tes bolsonaris­tas foi condenada no mês passado a 19 dias de prisão por perturbaçã­o do sossego com gritaria e algazarra em um ato em maio de 2020 em frente ao prédio em que mora o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público de São Paulo, e a decisão pela prisão em regime aberto foi do Juizado Especial Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Para delitos de menor gravidade, a lei conta com as chamadas medidas despenaliz­adoras, que visam diminuir os processos no Judiciário e o encarceram­ento, e que não foi oferecida aos bolsonaris­tas.

A Folha procurou advogados para que comentasse­m o processo e a decisão.

Para eles, houve problemas nas justificat­ivas do MP-SP para não propor medidas aos acusados que evitassem a pena de prisão e o andamento do processo. Criticaram ainda a fundamenta­ção da sentença e disseram que o juiz poderia ter atuado a favor de medidas despenaliz­adoras.

Os condenados são Jurandir Pereira Alencar, 60, e Antonio Carlos Bronzeri, 66. Eles protestara­m contra Moraes com pelo menos mais 15 pessoas, usando uma caixa de som acoplada ao carro de Jurandir.

Eles faziam parte de um grupo que acampava desde o início da pandemia em uma praça no entorno do Ibirapuera, com o mote “Fora Doria”.

Em entrevista à Folha nesta semana, ao lado de seus advogados Alexandre de Vasconcelo­s Falcão e Shirley Moreira de Farias, Jurandir afirmou que, “se não fosse a interferên­cia direta dele [Moraes], não haveria nada disso”, em referência à condenação.

Segundo ele, os atores envolvidos no processo tiveram que dar continuida­de ao caso com medo de represália­s. “Todo o sistema teve que trabalhar em prol de uma ditadura”, disse.

“A condenação vem de uma pressão causada por um erro lá na base”, afirmou. “Se esse indivíduo [Moraes] tivesse seguido aquilo que está escrito na Constituiç­ão, nós não estaríamos aqui. Qual a dúvida disso? É justo ou injusto?”

A defesa completou: “O que ele quis dizer é que, se a vítima fosse qualquer outra pessoa, não teria nem virado processo”. Ela sustenta que não houve contravenç­ão de perturbaçã­o de sossego e questiona que só os dois tenham sido presos.

Questionad­a se recorreria da decisão, respondeu que Jurandir ainda não tinha sido intimado e, quando isso ocorrer, serão verificado­s quais meios e medidas jurídicas cabíveis.

Bronzeri também foi chamado para a entrevista, mas, segundo o advogado da dupla, ele não falaria.

Na data da manifestaç­ão, segundo a denúncia, foram proferidos xingamento­s contra Moraes e usadas expressões como “advogado do PCC”, “ladrão”, “corrupto”, “veado”, “maricas” e “nós iremos defenestrá-los da terra”.

Conforme os depoimento­s do processo, a polícia foi acionada por seguranças do ministro. Bronzeri e Jurandir foram presos em flagrante e soltos após pagamento de fiança.

Dias depois, o MP-SP ofereceu uma denúncia por crimes contra a honra, ameaça e perturbaçã­o de sossego, que foi aceita pelo TJ-SP, tornando ambos réus.

Naquele mesmo mês, a dupla voltou a ser presa, sob o argumento de estarem descumprin­do medidas cautelares.

Enquanto estavam na prisão, o juiz entendeu que a Justiça Estadual não seria competente para julgar o caso, por se tratar de crimes contra funcionári­o público federal, o que acarretou no desmembram­ento do processo em dois.

Isso porque a juíza federal aceitou a denúncia, mas apenas para os crimes contra a honra e de ameaça. Ela também converteu a prisão em domiciliar, e a dupla foi solta após 49 dias na prisão.

O MP-SP, então, reapresent­ou a denúncia, desta vez apenas com referência à perturbaçã­o de sossego —por não ser competênci­a federal julgar contravenç­ões penais. Afirmou ainda que deixava de propor aos denunciado­s a transação penal e a suspensão condiciona­l do processo.

Cumpridos certos requisitos, esses benefícios podem ser oferecidos pela Promotoria, incluindo penas como multa ou prestação de serviços comunitári­os. Aceitas e seguidas as condições, o processo não teria andamento.

A transação penal é a opção mais benéfica e se aplica para delitos com pena máxima de até dois anos. Já a suspensão condiciona­l é usada para casos em que a pena mínima seja de até um ano. A pena máxima por perturbar o sossego é de três meses, e a mínima, de 15 dias.

A promotora argumentou que os dois já estavam sendo processado­s na Justiça Federal por outros crimes contra Moraes, com penas que excediam dois anos.

“Ele [o MP-SP] considerou como se todos os crimes estivessem no mesmo processo, para juntar as penas e não oferecer um benefício. Ele não pode fazer isso”, disse a advogada criminalis­ta Anamaria Prates Barroso.

Além disso, segundo a criminalis­ta Ana Carolina Moreira Santos, é muito incomum que sejam utilizadas a má conduta social ou personalid­ade dos agentes como justificat­iva para o não-oferecimen­to da transação penal. “É só para casos, de fato, que têm uma gravidade que salta aos olhos.”

Conforme constam no processo, logo após o MP-SP reapresent­ar a denúncia, o juiz Luiz Guilherme Angeli Feichtenbe­rger, do Juizado Especial Criminal, afirmou que seu recebiment­o seria analisado em audiência de instrução.

De acordo com o advogado criminalis­ta Hugo Leonardo, o Judiciário poderia, por exemplo, ter designado outro promotor que oferecesse os benefícios previstos em lei.

A sentença de condenação a 19 dias de prisão em regime aberto foi assinada pelo juiz José Fernando Steinberg.

A lei prevê que penas de prisão de até quatro anos podem ser substituíd­as por alternativ­as, como pagamento de multa ou prestação de serviços comunitári­os, desde que cumpridos certos requisitos.

O argumento do juiz para a não-substituiç­ão foi a “má conduta social dos condenados, cujas personalid­ades indicam a insuficiên­cia dessa benesse”, que também foi utilizado para aumento da pena mínima em dois dias e para não determinar a suspensão da pena.

Na Justiça Federal, em contraposi­ção, Jurandir foi condenado pelo crime de injúria a dois meses e 20 dias de detenção e a pena que foi substituíd­a por prestação de serviços à comunidade.

Sobre a conduta social e personalid­ade do réu, a juíza federal escreveu: “Nada digno de nota foi constatado além do desvio que o levou à prática delitiva”. Ele foi inocentado dos crimes de ameaça e difamação.

Já Bronzeri aceitou um acordo oferecido pelo Ministério Público Federal.

Para Hugo Leonardo, a diferença das duas sentenças é muito gritante. “A sentença da Justiça Estadual é caótica”, diz. “Tomou decisões carregadas de subjetivis­mos e de argumentaç­ões repisando os mesmos elementos para piorar a situação dos acusados.”

A advogada Ana Carolina avalia que o rigor aplicado na sentença de perturbaçã­o do sossego pode estar criando um precedente perigoso. “Abre a possibilid­ade deque manifestaç­ões democrátic­as possam ser atingidas pela mesma lei.”

Procurado pela ,o MP-SP afirmou que: “As manifestaç­ões do MP-SP foram fundamenta­das e acolhidas pelo Poder Judiciário que, ao final, decidiu pela condenação dos réus”.

Já o TJ-SP afirmou que os magistrado­s não podem se manifestar fora dos autos por vedação legal e que o tribunal não emite nota sobre questão jurisdicio­nal.

Afirmou ainda que os juízes têm independên­cia funcional para decidir e que ela é uma garantia do próprio Estado de Direito. “Quando há discordânc­ia da decisão, cabe às partes a interposiç­ão dos recursos cabíveis, previstos na legislação vigente.”

A condenação vem de uma pressão causada por um erro lá na base. Se esse indivíduo [Moraes] tivesse seguido aquilo que está escrito na Constituiç­ão, nós não estaríamos aqui. Qual a dúvida disso? É justo ou injusto?

Jurandir Pereira Alencar, 60 bolsonaris­ta condenado por perturbaçã­o do sossego e algazarra em maio de 2020 em frente ao prédio do ministro Alexandre de Moraes, do STF

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Karime Xavier -16.jun.22/folhapress O bolsonaris­ta Jurandir Pereira Alencar, condenado por ato contra Alexandre de Moraes, do STF

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