Folha de S.Paulo

Eleição de Petro faz liderança regional do Brasil esvaziar de vez

Para Fernanda Nanci Gonçalves, vitória marca mudança significat­iva com retomada das relações com a Venezuela

- FERNANDA NANCI GONÇALVES Daniel Buarque

A eleição de Gustavo Petro na Colômbia enfocou temas importante­s da política regional e reserva potencial para as relações internacio­nais da região.

Por um lado, vê-se o cresciment­o de uma nova onda rosa de governos alinhados à esquerda na região. Por outro, e deformam ais relevante, Pe trotem defendido retomar e melhoraras relações colombiana­s coma Venezuela. Fala em se aproximar de outros países da América Latina e foi eleito coma promessa de dar maior atenção à questão ambiental e da Amazônia —áreas em que o Brasil já tentou exercer liderança.

“A Colômbia sempre foi um país que esteve de costas para a América Latina. Agora, não. Há uma mudança significat­iva no discurso, o que mostra a necessidad­e de promover uma mudança no projeto de inserção regional do país”, diz a professora de relações internacio­nais Fernanda Nanci Gonçalves.

Gonçalves, que viveu na Colômbia, é coordenado­ra e professora do curso de relações internacio­nais no Centro Universitá­rio La Salle-rj.

Qual a importânci­a da vitória de Petro para o Brasil e para a América Latina? A eleição de Petro trará uma mudança significat­iva para a região como um todo com a retomada das relações diplomátic­as com a Venezuela, o que pode trazer novo fôlego para buscar essa maior inserção da Venezuela na região. Petro também deixou claro que vai enfatizar as relações da Colômbia com a América Latina. Pela primeira vez a Colômbia vai assumir de forma mais enfática sua identidade latino-americana. A Colômbia sempre foi um país que esteve de costas para a América Latina. E agora há uma mudança significat­iva no plano do discurso, o que mostra a necessidad­e de promover uma mudança no projeto de inserção regional do país.

Que influência a eleição dele tem especifica­mente sobre o Brasil? Vai depender das eleições presidenci­ais do Brasil. Com a chegada de Petro vemos a retomada de uma onda progressis­ta na região. O contexto regional está mudando, não é mais o mesmo contexto de quando Jair Bolsonaro chegou à Presidênci­a.

Além disso, vai haver uma grande mobilizaçã­o da Colômbia na área ambiental, e isso deve respingar nas relações bilaterais entre os dois países. Então pode haver bons desdobrame­ntos na cooperação na área de ambiente, principalm­ente ali na região da fronteira amazônica.

As primeiras análises sobre a eleição de Petro apontam para um crescente isolamento de Bolsonaro na região, mas, pelo que você diz, a questão parece ir além do isolamento e dar espaço para que países como a Colômbia assumam posições de liderança regional e deixem o Brasil sem muita força política na América Latina...

O Brasil já perdeu qualquer papel de liderança regional nos últimos anos. Tivemos um papel de maior relevo durante o governo Lula, mas esse processo de esvaziamen­to começou no governo Dilma e piorou sob Bolsonaro. Isso fica evidente na ausência de liderança nas negociaçõe­s com a Venezuela para solucionar a crise no país, na falta de uma postura proativa em relação ao ambiente.

O Brasil definitiva­mente está ficando cada vez mais isolado, e tem sido cada vez mais difícil para Bolsonaro ter uma postura proativa na região, porque ele não tem diálogo com esses novos líderes da América Latina. Se Lula for eleito, que é o que as pesquisas de opinião apontam hoje, com certeza vai haver um movimento de mudança na política externa brasileira, e aí há a possibilid­ade de haver uma retomada da cooperação dentro da região, uma agenda mais progressis­ta, revitaliza­ção de instituiçõ­es que hoje estão fadadas ao fracasso, falidas, como a própria Unasul.

A aceleração desse movimento de esquerda na América Latina pode ter influência na eleição no Brasil? Não há uma ligação direta. É muito mais uma questão movida por um contexto doméstico e conjuntura­l do que propriamen­te um movimento da esquerda que está se fortalecen­do de forma transnacio­nal.

Como ficam os movimentos de direita e extrema direita na região em meio a essa onda progressis­ta? Na Colômbia, o movimento conservado­r de direita que vai fazer oposição a Petro é formado pelos partidos mais tradiciona­is, pois [o populista Rodolfo] Hernández não tem base de apoio no Congresso e não vai ter força, até porque ele, que se vendeu como um outsider, tinha pouca articulaçã­o política para combater Petro. Por outro lado, Petro já convidou a oposição para o diálogo e disse que a ideia não é excluir os outros partidos. Quer promover uma política de paz, conciliató­ria dos diferentes setores políticos.

Essa nova onda rosa está tendo uma postura mais pragmática do que no passado? É uma esquerda menos ideológica e muito mais pragmática. A trajetória dessa nova esquerda é diferente, faz com que eles tenham que ser, de fato, mais pragmático­s. Além disso, enfrentam um período de crise econômica e política. Ser contestató­rio num período de crise não abriria tantas oportunida­des para os países.

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