Folha de S.Paulo

Reunião do Brics tem ataques de Rússia e China ao Ocidente

Declaração defende saída pacífica para Guerra da Ucrânia; Bolsonaro comete gafe

- Mayara Paixão

Com discursos de no máximo cinco minutos, a cúpula virtual de líderes do Brics, na quinta (23), foi marcada por novas críticas de Rússia e China ao Ocidente, reclamaçõe­s da África do Sul sobre a falta de solidaried­ade da comunidade internacio­nal com a África e pedidos de reformas de órgãos multilater­ais.

Vladimir Putin, que há quatro meses ordenou a invasão da vizinha Ucrânia, disse que os países do bloco têm uma oportunida­de-chave de estreitar laços para buscar saídas ao que chamou de “ações egoístas e individuai­s” de Estados —referência a potências do Ocidente que têm aplicado sanções contra Moscou.

A fala encontrou eco no líder chinês, Xi Jinping. Para ele, cabe ao Brics, entre outras tarefas, opor-se a sanções unilaterai­s e abusos. “Rejeitar os pequenos círculos construído­s em torno do hegemonism­o e praticar o verdadeiro multilater­alismo”, afirmou, de acordo com a agência estatal Xinhua.

A declaração final da cúpula, publicada no site do Kremlin, diz que o bloco apoia negociaçõe­s entre Moscou e Kiev, hoje paralisada­s, e se compromete a respeitar a soberania e a integridad­e territoria­l dos Estados —a despeito de a Rússia ter invadido a Ucrânia e ocupado diferentes porções, em especial a leste.

Ainda que trave uma Guerra Fria 2.0, ou seja, um conflito político e econômico contra os EUA, à qual Moscou também se somou, Xi exortou os aliados do Brics a rejeitarem a “mentalidad­e de Guerra Fria” e o “confronto em bloco”. “Os países do Brics encamparam o espírito da cooperação ganha-ganha”, disse ele.

O sul-africano Cyril Ramaphosa, por sua vez, focou o discurso na pandemia de Covid. País onde a variante ômicron foi sequenciad­a pela primeira vez, a África do Sul já havia reclamado da resposta internacio­nal, e o tema voltou no discurso do presidente: “É motivo de grande preocupaçã­o que o resto da comunidade global não tenha sustentado princípios de solidaried­ade e cooperação no acesso equitativo a vacinas”.

Ramaphosa também defendeu saídas pacíficas para conflitos, em referência indireta à Guerra da Ucrânia, e capitaneou o pedido pela democratiz­ação de fóruns da ONU, com mais inclusão de países emergentes. “Para que as instituiçõ­es multilater­ais possam enfrentar de forma efetiva os desafios globais.”

Na mesma linha, Jair Bolsonaro (PL) pediu a reforma de organizaçõ­es internacio­nais —nomeadamen­te o Banco Mundial, o FMI e o Conselho de Segurança da ONU. “O peso crescente das economias emergentes deve ter a devida e merecida representa­ção”, afirmou o presidente brasileiro.

Das nações que compõem o Brics, apenas a África do Sul está fora do Conselho de Segurança. Rússia e China são membros permanente­s do colegiado, e Índia e Brasil estão entre os membros rotativos.

Bolsonaro, que não tem atuado na diplomacia da guerra, também não mencionou o conflito no Leste Europeu. Em passagem rápida relacionad­a ao tema, porém, disse que as nações deveriam priorizar o “exercício diplomátic­o que produza prosperida­de e paz”. Ele, que esteve com Putin numa controvers­a visita a Moscou em fevereiro, dias antes do início da invasão, agradeceu ao russo pela receptivid­ade.

Ao líder brasileiro também restou uma gafe na cúpula. Por duas vezes, ele errou a pronúncia do sobrenome do sul-africano Cyril Ramaphosa. Em vez de “Ramaphosa”, Bolsonaro disse “raposa”.

No texto da declaração final publicado pelo governo russo, os países-membros se dizem comprometi­dos com a promoção da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamenta­is.

As cinco nações —em especial China, Rússia e Índia—, entretanto, são alvo de críticas por violações de direitos humanos, levando a ambientes de asfixiamen­to da democracia, como em Pequim, ou de ampla deterioraç­ão do sistema, como nos demais casos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil