Folha de S.Paulo

Sylvio Coelho Mudar Lei das Estatais busca só ampliar poder do Congresso

Para assessor técnico que coordenou elaboração do texto no Senado, medida é inócua para segurar preço de combustíve­l

- Alexa Salomão

Não faz o menor sentido alterar a Lei das Estatais para facilitar mudanças na gestão da Petrobras para reduzir o preço dos combustíve­is, como propôs o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). A afirmação é do assessor técnico Sylvio Coelho, que coordenou a elaboração dessa legislação no Senado, atuando no gabinete do relator da matéria, o senador Tasso Jereissatt­i (PSDB-CE).

“A lei não proíbe que uma estatal persiga objetivos de política pública, basta que ela seja compensada por isso”, afirma Coelho.

“O que está em jogo não é a preocupaçã­o com o preço dos combustíve­is, é a ampliação do campo de poder de quem dá as cartas na cena política, inclusive de execução orçamentár­ia. É isso que está em discussão. É isso que interessa.”

Segundo Coelho, que também é coautor de um livro sobre o tema, a ideia de mexer nessa legislação precisa ser avaliada dentro do movimento maior do Congresso, que vem ampliando sua ação sobre outros Poderes e áreas do Estado.

“Essa ideia de alterar a Lei das Estatais é um passo a mais nesse sentido de criar um ambiente para que não haja nenhum controle, em que se busca submissão geral das estatais aos interesses daqueles que controlam o poder, que é o Legislativ­o. Esse é o pano de fundo”, afirma.

O sr. foi coordenado­r técnico da Lei das Estatais no Senado. O que motivou a elaboração dessa lei e quais são os seus

principais mecanismos? Primeirame­nte, temos que considerar o contexto. Naquele momento, a gente vinha de uma sequência de vários escândalos em estatais, em especial na Petrobras. Foi isso que abriu espaço para discussão do tema no Congresso Nacional.

Para redigi-la, buscamos as melhores práticas internacio­nais, em especial o que é preconizad­o pela OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico). Consideram­os experiênci­as de sucessos em outros países, como Singapura e Noruega.

Fundamenta­lmente, essa lei buscou três objetivos. O primeiro deles foi estabelece­r um novo padrão de qualidade para a gestão nas empresas estatais. O segundo, fixar um novo marco regulatóri­o para licitações e contratos. Existia toda uma fauna de regulament­os sobre o tema e procuramos estabelece­r uma referência, que se distancias­se da lei geral de licitações, a antiga 8.666, e que desse um novo eixo nessa questão.

O terceiro objetivo, talvez o mais importante, era afastar ou reduzir a possibilid­ade de abuso do poder político nas estatais.

Quais são os itens que tentam fazer essa blindagem contra

abusos políticos? Há fundamenta­lmente dois. O artigo 17, que disciplina as exigências cabíveis para os indicados pelo controlado­r para cargos de alta gestão. Estamos falando de cargos em conselho de administra­ção, diretorias, inclusive o de presidente, e no conselho fiscal.

Em relação a outra questão —tentar evitar ou reduzir o risco de abuso político nessas empresas—, é importante destacar o artigo 8º. Nele nós deixamos bem claro que a empresa estatal, quando usada para perseguir objetivos de política pública, deve ser remunerada para tal fim. Então, a lei não proíbe que uma estatal persiga objetivos de política pública, basta que ela seja compensada por isso.

Faz sentido o argumento de que é preciso mudar a Lei das Estatais para poder reduzir o preço de combustíve­is na Petrobras? Não faz absolutame­nte nenhum sentido. O que está acontecend­o é mais um passo no processo de ampliação do poder do Congresso, do Legislativ­o sobre o Executivo.

Isso começou há cerca de sete anos, especifica­mente quando estabelece­ram na Constituiç­ão a obrigatori­edade de execução de emendas individuai­s de parlamenta­res e também de bancada.

Na sequência, vieram as transferên­cias especiais, também com execução obrigatóri­a. Elas foram chamadas, com toda pompa e circunstân­cia, de orçamento impositivo, mas na verdade não era orçamento, era imposição ao Executivo.

Aí vimos o advento do RP-9, das emendas de relator, que são um abuso.

As emendas do relator já eram previstas e serviam, fundamenta­lmente, para fazer ajustes ao Orçamento. Nós trabalhamo­s com relatores setoriais. Então, o relator geral fazia emendas para realizar pequenos ajustes no conjunto, quando se reuniam os diversos relatórios setoriais. As emendas de relator serviam para isso. De três anos para cá, isso não acontece mais.

Essa ideia de alterar a Lei das Estatais precisa ser considerad­a dentro desse movimento. É um passo a mais nesse sentido de criar um ambiente para que não haja nenhum controle, em que se busca submissão geral das estatais aos interesses daqueles que controlam o poder, que é o Legislativ­o. Esse é o pano de fundo.

Então, a revisão da Lei das Estatais pressupõe apenas abrir espaço para volta das indicações políticas? Não tenho a menor dúvida disso. Se você ler o artigo 17, vai ver que há exigências tanto de natureza acadêmica quanto de experiênci­a profission­al para os altos cargos. Nem sempre os governos se sentem confortáve­is com isso. Claro, gostariam de fazer as indicações o mais livremente possível. Essas regras atrapalham planos políticos.

Em vez de os agentes políticos se adaptarem à lei, agora fazem um movimento contrário. Querem alterar a lei para que ela se adapte ao jogo político. Não diria que isso é um passo atrás, mas muitos passos atrás.

Tem reflexos ruins não apenas para as empresas. No momento em que o Brasil ensaia uma candidatur­a para a OCDE, isso é um contrassen­so absoluto, pois vai contra as regras de gestão para estatais previsas pela própria OCDE.

O sr. mencionou que o artigo 8º abre a possibilid­ade de uso das estatais em política pública. Então, a ideia de mudar a lei dessas empresas perde mais ainda o sentido? Poderiam estudar algum tipo de política. Mas nem isso é o melhor caminho para resolver a questão dos combustíve­is.

A gente precisa ter isso bem claro. O que está em jogo não é a preocupaçã­o com o preço dos combustíve­is, é a ampliação do campo de poder de quem dá as cartas na cena política, inclusive de execução orçamentár­ia. É isso que está em discussão. É isso que interessa.

Discutir mudança na Lei das Estatais para reduzir o preço dos combustíve­is é fumaça.

A ideia foi lançada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Diante disso, o sr. acha que ela tem chances de avançar e ser aprovada? Você está falando com um cenarista. Essa é a minha formação. Não tenho como fazer previsão. Vejo que o cenário na Câmara é um, e, no Senado, outro. Mas isso está no campo dos possíveis. Se eu tivesse que fazer uma estimativa trabalhand­o com a pior probabilid­ade, eu diria que tem chances de ocorrer, sim.

O que vemos hoje é uma predominân­cia dos interesses que são capitanead­os pelo presidente da Câmara sobre aqueles capitanead­os por outros líderes, seja do mesmo Poder ou de outros.

O que está em jogo não é a preocupaçã­o com o preço dos combustíve­is, é a ampliação do campo de poder de quem dá as cartas na cena política, inclusive de execução orçamentár­ia. É isso que está em discussão. É isso que interessa. Discutir mudança na Lei das Estatais para reduzir o preço dos combustíve­is é fumaça

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