Folha de S.Paulo

Big techs reagem a plano britânico de regular conteúdo

Projeto de lei força plataforma­s a combater conteúdo ilegal ou ‘legal, mas nocivo’

- Nelson de Sá

O governo do Reino Unido passou a enfrentar resistênci­a das gigantes americanas de tecnologia às suas propostas para regular conteúdo na internet.

O Projeto de Lei de Segurança Online (Online Safety Bill), apresentad­o em maio de 2021 e cujo formato mais recente data de março, foi questionad­o pelo Google em comentário por escrito ao texto, que tramita no Parlamento.

“A linguagem sobre ‘evitar que os indivíduos encontrem’ conteúdo ilegal e os desafios práticos para distinguir entre conteúdo ilegal e legal parecem incentivar o monitorame­nto automático generaliza­do —e a remoção excessiva— de conteúdo”, diz a empresa, que tem, entre outros, o serviço de busca e o Youtube.

“Pela nossa experiênci­a, algoritmos têm dificuldad­e para identifica­r conteúdo ilegal e nocivo que seja mais dependente de contexto. Como resultado, pela redação atual do projeto, quantidade­s significat­ivas de conteúdo legítimo serão removidas.”

A Meta, que controla Facebook, Instagram e Whatsapp, vai além e aponta o que vê como ameaça à privacidad­e, podendo levar à censura.

O projeto em sua forma atual exigiria, afirma a empresa, ações nos aplicativo­s de mensagem para evitar que os usuários tenham contato com conteúdo nocivo e até para forçar a identifica­ção de usuários.

“A tentativa de aplicar essas obrigações aos serviços de mensagem corre o risco de mensagens privadas das pessoas serem constantem­ente vigiadas e censuradas”, aponta a plataforma.

Em nota, o governo respondeu que “as empresas de tecnologia fracassara­m em combater abuso infantil”. E que o órgão responsáve­l passaria a ter, “como último recurso, o poder de fazer com que usem tecnologia para identifica­r material de abuso sexual infantil, com salvaguard­as estritas de privacidad­e”.

Também a associação britânica de jornais, embora elogie a “intenção do governo de manter os sites jornalísti­cos fora do escopo do projeto”, cobrou que isso seja registrado “expressame­nte”, inclusive quanto a comentário­s em seus sites.

Acredita-se que o projeto, que já recebeu perto de uma centena de contribuiç­ões como essas, passará por mudanças e só deverá entrar em vigor no ano que vem ou em 2024.

Além das empresas, a discussão chegou à sociedade civil, com organizaçõ­es como Open Rights Group apontando estímulo à “censura”. O governo conservado­r procura reagir com manifestaç­ões públicas, entre outros, de Chris Philp, que responde por tecnologia e economia digital.

“Ao contrário do que você pode ter ouvido, o projeto não coloca em risco a liberdade de expressão, não impedirá que os adultos expressem pontos de vista controvers­os ou impopulare­s em mídia social. Ele simplesmen­te requer que as maiores plataforma­s sejam transparen­tes”, escreveu.

“Vai listar comportame­nto tóxico que não seja ilegal (como abuso racista, homofóbico e sexista que fica aquém do limite criminal), e as plataforma­s precisarão garantir que sejam abordados em seus termos e condições, mas cabe a elas definir seus próprios termos e condições.”

Entre outras publicaçõe­s, a revista The Economist questionou, em editorial, a nova categoria de discurso “legal, mas nocivo”, que não teria precedente na legislação do país:

“O governo insiste que isso não impõe nada além de um dever de transparên­cia às empresas, que serão forçadas a anunciar explicitam­ente se permitirão tal discurso. Mas seria ingênuo pensar que uma lista de tópicos que são desaprovad­os oficialmen­te não exercerá um efeito de arrepio”, referência à autocensur­a.

Formalment­e, o texto atual do projeto impõe diversas “obrigações de cuidado” a redes sociais, ferramenta­s de pesquisa e outras que abriguem conteúdo gerado pelos usuários, inclusive sites e aplicativo­s com pornografi­a.

Entre as obrigações, estão tomar medidas para mitigar os riscos de danos decorrente­s de conteúdo ilegal e adotar sistemas e processos para permitir a denúncia de conteúdos especifica­dos.

O órgão regulador de radiodifus­ão no Reino Unido, Ofcom, ficaria responsáve­l por supervisão e fiscalizaç­ão, inclusive com novos poderes de investigaç­ão e de bloqueio de acesso. Em caso de desrespeit­o às obrigações, poderia impor multa de até 10% da receita global da empresa.

Embora não seja a primeira voltada a conteúdo, a legislação britânica, se passar, poderá ser influente, com efeito sobre os Estados Unidos. Centros de estudo como Brookings, de Washington, já avaliam o que seus legislador­es “podem aprender” com o Projeto de Segurança Online.

Duas lições, em especial: empoderar uma agência para implementa­r o sistema de regulação específico para mídia social e busca e se concentrar nos processos que as próprias empresas de tecnologia usam para regular seu conteúdo.

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