Folha de S.Paulo

Já fez sua sugestão a Lula e Alckmin?

Chapa cria página para receber sugestões, em sinal de apreço pela democracia

- Nelson Barbosa Professor da FGV e da UNB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

Os partidos da pré-candidatur­a Lula e Alckmin lançaram as diretrizes de seu programa de governo. Alguns acharam a proposta muito de esquerda, outros acharam muito de centro, mas o importante é que a chapa “Lulalckmin” também criou uma página na internet para receber sugestões.

A iniciativa é um sinal de apreço pela democracia e diálogo, sobretudo em comparação ao pessoal da terceira via, que sempre tem o mesmo programa, nunca faz autocrític­a, mas sempre cobra autocrític­a dos outros.

A abertura de Lula e Alckmin para sugestões também é uma luz nestes tempos de desgoverno Bolsonaro, pois uma das funções da Presidênci­a da República é dar exemplo.

Estamos vivendo as consequênc­ias negativas dos exemplos de intolerânc­ia política e estímulo à violência dados por Bolsonaro e sua turma. O exemplo de Lula e Alckmin é diferente, de respeitar os direitos de todos e de incorporar sugestões, mesmo de quem foi contra os governos do PT no passado.

Sobre as sugestões em si, já fiz algumas no âmbito do PT, mas aproveito este espaço para reforçar três ideias de conhecidos meus. Confesso que as propostas são utópicas, mas campanha eleitoral também é o momento de discutir utopias.

Primeiro, meu amigo Robert Owen sugere que um eventual novo governo do Partido dos Trabalhado­res reduza a jornada de trabalho, de 44 para 40 horas semanais, sem redução de salário por trabalhado­r, pois a experiênci­a internacio­nal mostra que o aumento da produtivid­ade mais do que compensa o aumento de remuneraçã­o por hora trabalhada.

Sei, quero dizer, o meu amigo Owen sabe que há outras prioridade­s a curto prazo, como reduzir a inflação, recuperar o cresciment­o e aumentar o emprego, mas, na realidade social e tecnológic­a do século 21, também seria bom prever uma redução gradual da jornada de trabalho para 40 horas, como já é o caso em vários países avançados.

A transição pode levar de quatro a oito anos, começando, digamos, a partir de 2025, mas é importante sinalizar já mudanças estruturai­s pró-trabalhado­r, pois é isso que se espera de um governo do Partido dos Trabalhado­res.

Em segundo lugar, outro conhecido meu, Aneurin Bevan, sugere que o PT invista mais em saúde pública, reproduzin­do no SUS o que os governos Lula e Dilma fizeram nas universida­des federais: dobraram a capacidade de atendiment­o (de 513 mil alunos, em 2002, para 1,068 milhão, em 2015, segundo dados do site Poder360).

Sei, ops, meu amigo Bevan sabe que dobrar vagas no SUS leva tempo, mas o processo tem que começar já no primeiro ano do eventual governo Lulalckmin, mesmo que seja com emissão de dívida para direcionar mais recursos à saúde pública.

Além da melhora imediata na vida dos mais pobres, Bevan diz que ter bom sistema de saúde pública é o que mais legitima politicame­nte o Estado do bem-estar social, vide a defesa enfática que britânicos e canadenses fazem de seus sistemas gratuitos e a popularida­de do Mais Médicos de Dilma.

A terceira sugestão vem da minha amiga Frances Perkins e vai na mesma linha do Bevan, só que aplicada a creches: aumentar rapidament­e a capacidade de atendiment­o gratuito e de qualidade, em articulaçã­o com prefeitos e governador­es, com emendas públicas (em vez de secretas) no Orçamento.

Além de melhorar a vida das crianças, lembro, quero dizer, Perkins lembra que investir em creches possibilit­a às mães que assim quiserem possam trabalhar, aumentando a participaç­ão feminina na força de trabalho, o PIB e a arrecadaçã­o do governo.

E você? Já fez sua sugestão a Lula e Alckmin?

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