Folha de S.Paulo

Diretrizes do PT só prestam homenagem à questão do clima

- Marcelo Leite O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundation­s.

Os 121 parágrafos do documento “Diretrizes para o Programa de Reconstruç­ão e Transforma­ção do Brasil” do Partido dos Trabalhado­res, no que respeita à crise climática do planeta, têm coisas novas e coisas boas. O problema é que as coisas novas são superficia­is e as coisas boas são poucas.

A maior novidade está no destaque dado para temas ambientais. Já a partir do item 47, antes portanto da metade do rol de boas intenções, o objetivo do desenvolvi­mento econômico aparece condiciona­do ao imperativo de ser também sustentáve­l do ponto de vista socioambie­ntal e climático.

Verdade que aumento de emprego e renda e contenção de preços surgem antes da promessa de combater a predação de recursos naturais e fortalecer o Sistema Nacional do Meio Ambiente e a Funai. Não seria de esperar outra coisa num momento do país em que os salários recuam e a inflação galopa.

De todo modo, ver o tema da sustentabi­lidade prestigiad­o e, mais, enriquecid­o pelos qualificat­ivos “socioambie­ntal” e “climática” representa um avanço. Ou melhor, uma retomada das linhas que norteavam políticas da área nos primeiros governos do PT, antes do desenvolvi­mentismo da presidente Dilma Rousseff.

É bom, assim, ver reafirmado o compromiss­o com as metas nacionais no Acordo de Paris (2015) para redução das emissões de gases do efeito estufa. Soa mais crível vindo de um partido que teve Marina Silva (Rede) no Ministério do Meio Ambiente do que de um governo que preferiu o playboy boiadeiro Ricardo Salles (PL).

Nesta altura da crise climática, porém, limitar-se a observar objetivos de sete anos atrás é muito pouco. Na pauta da negociação internacio­nal se encontra hoje o aumento das ambições nacionais, e nisso o documento não toca.

As diretrizes fazem mesura à ex-ministra, cujo partido participa da aliança liderada pelo PT, ao reivindica­r seu sucesso de 2004 a 2012 na redução do desmatamen­to, nossa maior fonte de poluição climática. Prometem combate implacável às derrubadas ilegais e, de maneira realista, promoção de desmate líquido zero.

Em outras palavras, o documento reconhece, implicitam­ente, a inviabilid­ade de impedir todo e qualquer desflorest­amento, mesmo porque proprietár­ios estão legalmente habilitado­s a tanto. A proposta é compensar as perdas de vegetação natural com recomposiç­ão de áreas degradadas e refloresta­mento.

Como se tornaria implacável, contudo, o combate ao desmatamen­to ilegal? Nos dois governos Lula a devastação se reduziu com embargos de propriedad­e, listas de municípios campeões em derrubadas e restrição de crédito por bancos oficiais.

Nenhum desses instrument­os aparece nas diretrizes. Se falam em revogar o teto de gastos e em “abrasileir­ar” preços de combustíve­is fósseis, poderiam mencionar de modo mais concreto por quais meios se pretende estancar a hemorragia de carbono com Jair Bolsonaro e a carta branca à agropecuár­ia predatória.

Há um ensaio de atualizaçã­o antenada com a emergência climática quando o documento defende uma reforma tributária que “contemple a transição para uma economia ecologicam­ente sustentáve­l”. De novo, seria preferível explicitar medidas específica­s, como a taxação do carbono defendida por Bernard Appy.

A palavra “carbono” só aparece uma vez no texto, e ainda assim numa expressão estranha, “gás carbono” (gás carbônico ou dióxido de carbono, talvez). Tampouco se fala em descarboni­zação da economia, em eletrifica­ção dos transporte­s, carros elétricos ou energias alternativ­as e limpas (só em renováveis).

A razão dessas omissões é transparen­te: o PT segue enamorado com o pré-sal e acorrentad­o ao papel indutor do desenvolvi­mento que atribui à Petrobras. Continua vendo nela como empresa de carbono, e não de energia, o oposto do que se esperaria de um programa de fato comprometi­do com a transição climática.

Autossufic­iência em petróleo e ampliação do refino se sobrepõem a tudo. E “abrasileir­ar” preços de gasolina e diesel significa reduzi-los, o que incentivar­á seu consumo, quando o clima do planeta exige que se reduza a queima dos combustíve­is fósseis.

Fala-se em diversific­ar a matriz energética, mas só com energias “renováveis”. Não há menção específica a eletricida­de de fontes eólica ou fotovoltai­ca, como seria obrigatóri­o em diretrizes sintonizad­as com o que vai pelo mundo.

O conceito de energia renovável inclui hidrelétri­cas, outro fetiche no modelo Rousseff de segurança energética. Isso para não falar das oportunida­des para negociatas em obras faraônicas como Belo Monte, monumento à ineficiênc­ia geradora que está matando o rio Xingu, símbolo da política indigenist­a civilizada que o país já teve.

A diretrizes do PT usam a questão climática para fazer aceno à Rede Sustentabi­lidade. Para um programa digno do nome, precisaria entabular uma conversa séria sobre o problema mais grave da Terra.

O PT segue enamorado com o pré-sal e acorrentad­o ao papel indutor do desenvolvi­mento que atribui à Petrobras

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