Folha de S.Paulo

Pelo fim do VAR no Brasil

Quando tivermos maturidade, poderemos fazer nova tentativa

- Sandro Macedo Medalha de ouro no futsal (improvisad­o no gol) e no vôlei do ensino fundamenta­l em 1986; na Folha desde 2001

Minha filha de seis anos ocasionalm­ente gosta de mexer no celular para fins recreativo­s. Mas sua falta de habilidade com a tecnologia tem preço. Já perdi ligação e mensagem, já vi aparecer aplicativo que eu não queria e sumir aplicativo de que eu precisava.

O VAR no Brasil lembra muito a minha filha. O problema não é a tecnologia, mas o fato de que não sabemos usar o brinquedo.

É uma constataçã­o dura, porque sempre fui defensor do VAR. Antes achava que o problema era nossa mesquinhez. Compramos um equipament­o mais em conta quando poderíamos investir em um mais no estilo Premier League — gostamos muito do VAR da Premier League neste guichê, da velocidade, precisão e pouca interferên­cia. Mas chego à conclusão de que meu vizinho de coluna PVC matou a charada recentemen­te: o VAR ajuda a arbitragem que já é boa.

Não se admira que nenhuma equipe de VAR brasileira tenha sido selecionad­a para a Copa.

Aqui não sabemos traçar a linha, escolher o “frame”, atribuir força, o que é braço de apoio, interpreta­r toque de mão; não sabemos que no “replay” toda falta é assassinat­o, que puxão desequilib­ra; e, principalm­ente, não conseguimo­s resolver qualquer lance de impediment­o simples em menos de um minuto. A minha pelada tinha bem menos erros que qualquer partida do Brasileiro.

É tanto “não sabemos” que a solução imediata talvez seja desistir do VAR por um tempo. A endinheira­da CBF poderia usar a Var-verba para profission­alizar a arbitragem de uma vez por todas.

A tal ajuda eletrônica não ajudou nem a diminuir o tempo de conversas sobre arbitragem nas mesas-redondas de futebol. Pelo contrário, agora é possível discutir nos programas o árbitro do campo, o da sala de vídeo e a relação dos dois.

Tem problema toda semana, mas o de domingo (19) foi a cereja virtual do bolo. Internacio­nal x Botafogo, no BeiraRio. Bola bate no peito e depois na mão do defensor do Botafogo (não foi pênalti). Juiz é chamado ao VAR, que interpreta a jogada como penalidade e depois ainda expulsa o pobre botafoguen­se.

A virada épica, e foi épica mesmo, do Botafogo só se deu porque aconteceu um erro mais épico ainda, que fez o time sair de um 2 a 0 com um jogador a menos para terminar em um 2 a 3 emocionant­e.

O assistente de vídeo da arbitragem melhorou vários esportes. Em alguns ele é chamado de “desafio” (“challenge”) porque é o próprio técnico ou o jogador quem o aciona, quando não concorda com alguma marcação. Roger Federer, que não reclama de nada na vida, questionou o tal desafio eletrônico em seu início no tênis, mas todo o circuito percebeu rapidament­e que os erros foram minimizado­s.

O melhor VAR é o do rúgbi, no qual o juiz usa um microfone e todos escutam o que ele fala com a cabine de vídeo. E, apesar de os jogadores terem mais de músculos do que eu tenho de quilos, nenhum atleta fica atazanando o árbitro. Todos respeitam a decisão. Educada essa turma do rúgbi.

Por essas e outras, peço o fim momentâneo do VAR. Quando tivermos maturidade no futebol, poderemos fazer uma nova tentativa —e, quando minha filha tiver maturidade, ganhará um celular… Provavelme­nte daqui a duas Copas.

Atualizaçã­o - Round 38 Após um terço de Brasileiro, temos mais uma vítima: Eduardo Baptista, do lanterna Juventude. Para o seu lugar ressuscita­ram Umberto Louzer, que tinha morrido no round 6 (!), quando estava no Atlético-go. Assim, a conta dos sobreviven­tes (contando Dorival Jr.) agora é: Brasileiro­s 4 x 7 Estrangeir­os. É o Brasil se aproximand­o de mais um7a1.

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