‘Iluminadas’ põe Wagner Moura na maior roubada
Há poucas chances de uma série com elenco talentoso, produção cuidadosa e premissa atraente dar errado, mas “Iluminadas”, aposta da Appletv+ com Elisabeth Moss e Wagner Moura, conseguiu o feito.
São quase sete horas de uma história que se ampara em boas atuações e personagens à primeira vista bem construídos para fisgar durante vários episódios e então desaba numa miscelânea de vingança feminista, suspense e elementos de sobrenatural e ficção científica decepcionante.
Não faltou o alerta de quem leu o livro homônimo da australiana Lauren Beukes, mas, porque o combo trazia elogios do escritor Stephen King, a produção esperta de Leonardo Dicaprio e o deleite que é ver em cena Moss, Moura e Jamie Bell (que há duas décadas foi o menino bailarino de “Billy Elliot”), valia arriscar.
Há elementos interessantes na trama de Beukes, adaptada pela showrunner Silka Luisa.
A protagonista, Kirby Mazrach, sofreu um ataque violento no qual o agressor a deixou estripada para morrer e agora tem problemas para discernir o que é real. Ao saber de um assassinato com características similares, ela, que trabalha no banco de dados de um jornal de Chicago, decide contar sua história ao experiente repórter Dan Velazquez (Moura, falando em inglês, espanhol e português).
Logo descobrirão mais vítimas, um psicopata eternamente jovem e um período de atuação excepcionalmente longo.
A intensidade que Moss imprime às perturbações de Kirby e o detalhismo com que Moura compõe seu personagem, um pai solo, dependente de álcool, cuja carreira outrora brilhante cambaleia, conferem um lastro de respeito.
Outros integrantes do elenco —Bell, Philippa Soo (“Hamilton”), Madeline Brewer (que contracenou com Moss na já clássica “O Conto da Aia”) e Chris Chalk (de “Olhos que Condenam”)— estão à altura.
O excesso de ambição, contudo, se revela uma armadilha. As pistas deixadas ao longo dos episódios são devolvidas de forma abrupta.
Se a dupla central apresenta camadas e nuances, o vilão carece de motivação convincente e, por mais que Bell torne seu tormento palpável, faltamlhe elementos para explicá-lo.
A junção free style de preceitos da ficção científica que outras séries, como “Boneca Russa”, usaram magistralmente tampouco ajuda. A comparação só diminui a nova série.
A Apple apresentou uma obra prima, “Ruptura”, e amealhou prestígio com produções excelentes (e variadas) como “The Morning Show”, “Ted Lasso”, “O Psiquiatra ao Lado”, “Pachinko”, “Mosquito Coast”, “Servant” —lista impressionante dada sua entrada tardia nesse mercado.
“Iluminadas”, porém, traz um monte de ótimos ingredientes desperdiçados. Pena.