Alice ganha exposição em que surge sombria, psicodélica e feminista
Mostra no Farol Santander, no centro de São Paulo, exibe as muitas facetas da clássica personagem de Lewis Carroll
São muitas as portas que Alice pode atravessar em sua saga nonsense pelo País das Maravilhas. Quem visita a exposição “As Aventuras de Alice”, no Farol Santander, em São Paulo, encontra ainda mais entradas para incursionar por essa célebre obra de Lewis Carroll.
Aliás, foi uma Alice soturna, criada com tons surrealistas pelo cineasta tcheco Jan Svankmajer, num filme de 1988, que abriu um outro portal para o curador da mostra, Rodrigo Gontijo, que traz para dois andares do prédio paulistano variadas representações dessa personagem, que ele define como uma “metáfora do inconsciente”.
A exposição parte da obra lançada em 1865, best-seller imediato. Uma biblioteca reúne diferentes versões, brasileiras e históricas, enquanto uma galeria apresenta os personagens amalucados nas ilustrações do cartunista britânico John Tenniel —o primeiro a representar Alice. Mas a mostra extrapola o livro.
As peripécias da menina pelo mundo das charadas saltam para diferentes linguagens. Surgem em obras de Antonio Peticov, na “Vandalice” do grafiteiro Ozi, na Alice versada por Paulo Leminski e em clipe da música “White Rabbit”, da banda Jefferson Airplane, entre fragmentos de filmes e animações inspirados na obra de Carroll.
O cinema tem seu próprio fio narrativo na exposição, em que o visitante transita entre a era pré-cinema e seus divertidos brinquedos —como livro tridimensional, flipbook, zootrópio—, do mesmo período em que a obra foi escrita, e a fase pós-cinema, com videoinstalações imersivas.
A mostra está dividida entre o mundo da superfície, a realidade e o contexto histórico sobre criador e criatura, e o universo subterrâneo, a fantasia e os jogos filosóficos de Lewis Carroll, pseudônimo do reverendo e professor de matemática Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898).
Os personagens começam a escapar das páginas no Gabinete de Curiosidades, da artista visual Adriana Peliano, uma “especialice”, como costuma dizer, fundadora da Sociedade Lewis Carroll do Brasil.
É preciso ter olhos de ver miudezas para investigar a instalação dessa artista colecionadora de objetos simbólicos, como chaves, xícaras e relógios, que são imantados de novos significados em suas “assemblages” (colagens com coisas diversas, como livros).
Entre os achados e colados, uma bola de cristal esconde uma pergunta desconcertante e bonecas Alices surgem em imagens que beiram o sombrio, provocadoras em meio a tantos imaginários mais assépticos que rondam as produções culturais para a infância. Ampliam a atmosfera surreal os retratos da americana Maggie Taylor, em que diferentes Alices nos interpelam de modo perturbador.
É seguindo as pegadas do coelho que os visitantes são levados para as instalações no segundo andar, onde é possível experimentar a sensação de queda da heroína pela toca desse personagem sempre sem tempo, em direção ao mundo subterrâneo, numa montagem de três minutos que reúne cenas de 21 filmes.
As instalações reproduzem versões de uma mesma cena: o chá com o Chapeleiro Maluco ou o encontro com a tirana Rainha de Copas, destacando que, mais do que uma obra nonsense, a Alice de Carroll é “multiplesense”, ou aberta a muitos sentidos e leituras.
Compacta, a exposição bem distribuída em 600 metros quadrados traz as disparidades dessa obra, que já chega às crianças com as muitas facetas de Alice —vitoriana, psicodélica, sombria, feminista.
As Aventuras de Alice