Folha de S.Paulo

Aliados de Lula tentam brecar iniciativa do centrão sobre emendas

O ex-presidente tem criticado as chamadas emendas de relator, base das negociaçõe­s políticas de Jair Bolsonaro

- Thiago Resende

Diante da ameaça do Congresso de tornar obrigatóri­as as chamadas emendas de relator e reduzir ainda mais os poderes do Palácio do Planalto, aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passaram a defender que a votação do Orçamento de 2023 ocorra apenas no próximo ano.

Apostando em uma vitória do ex-presidente nas eleições, o objetivo dos petistas agora é ganhar tempo para reorganiza­r as forças políticas no Legislativ­o e, dessa maneira, tentar garantir um maior controle sobre o Orçamento da União para um eventual governo Lula.

A avaliação desses aliados é que a atual articulaçã­o conduzida pelo centrão, no sentido de transforma­r em impositiva­s as emendas de relator, acabará levando a uma redução ainda maior do poder do presidente da República a partir de 2023 —seja ele Lula ou Jair Bolsonaro (PL).

As emendas de relator devem somar cerca de R$ 19 bilhões no Orçamento do próximo ano, um valor que chega a superar a verba de alguns ministério­s.

A distribuiç­ão desse dinheiro é realizada atualmente a partir de acordos políticos que são conduzidos pela cúpula do Parlamento, principalm­ente pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).

Essas emendas também se transforma­ram no principal método de negociação política para a formação da base de Bolsonaro.

Apesar da movimentaç­ão dos aliados do ex-presidente, o movimento do centrão avançou mais um passo na quarta-feira (29).A comissão mista de Orçamento do Congresso aprovou um dispositiv­o na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentár­ias) que torna obrigatóri­a a execução das emendas de relator.

O relator da LDO —lei que traça as bases para a formulação do Orçamento— é o senador Marcos do Val (Podemos-es), aliado de Bolsonaro.

A ofensiva do centrão é vista como uma resposta ao favoritism­o de Lula nas pesquisas eleitorais, uma vez que o petista já disse ser contra as emendas de relator. O último Datafolha mostrou Lula com uma vantagem de 19 pontos sobre Bolsonaro.

Diante do quadro, aliados de Lula no Parlamento passaram a discutir uma estratégia para tentar reduzir o montante que será reservado para as emendas de relator. Simplesmen­te acabar com esse tipo de emenda —o cenário ideal para Lula— é considerad­o hoje algo improvável.

A ideia discutida é tentar arrastar a votação do Orçamento até o ano que vem. No diagnóstic­o dos petistas, parte dos parlamenta­res que hoje orbita o centrão tende a buscar uma aproximaçã­o com Lula, caso o ex-presidente vença a disputa eleitoral.

O deputado José Guimarães (CE), vice-presidente nacional do PT, afirma que irá defender que o projeto de Orçamento seja revisto em um eventual período de transição de governo.

“Em novembro, dezembro, vamos ter um [projeto de] Orçamento no Congresso que não é do Lula. Nada mais justo do que esperarmos o novo governo para aprovarmos o Orçamento”, disse.

“É uma armação montada pelo centrão e pelo Lira. Não podemos deixar que o centrão controle toda essa fatia do Orçamento”, acrescento­u o deputado Rogério Correia (PT-MG), que já apresentou projeto para mudar as regras de distribuiç­ão das emendas parlamenta­res.

Em tese, deixar a aprovação do Orçamento para o ano que vem pode permitir que o texto seja votado pelos deputados e senadores que tomam posse em fevereiro. Dessa forma, dizem os petistas, mudanças nas verbas destinadas para emendas poderiam ser feitas por um Legislativ­o mais simpático a Lula.

Outro argumento para o adiamento é o calendário eleitoral interno da Câmara e do Senado.

Se Lula voltar ao Planalto, o PT deve ter como uma de suas prioridade­s em 2023 tentar derrotar Lira na eleição para a presidênci­a da Câmara —o que enfraquece­ria um dos pilares de sustentaçã­o das emendas de relator.

Caso o Orçamento não seja aprovado até o final de dezembro, algumas regras serão ativadas para limitar temporaria­mente os gastos do Executivo. O pagamento das emendas de relator também seria afetado até a conclusão da votação no Parlamento.

O engessamen­to do Orçamento através desse tipo de emenda tem sido patrocinad­o pelo centrão, grupo de partidos que compõem a base de apoio de Bolsonaro. Os maiores expoentes são PL, PP e Republican­os.

Os três partidos estão unidos na campanha à reeleição do mandatário. Integrante­s dessas siglas temem que Lula, se eleito, tente reverter o avanço do Congresso sobre o controle orçamentár­io.

Petistas que fazem parte da campanha de Lula reconhecem que a articulaçã­o dos partidos aliados a Bolsonaro pode dificultar a formação de uma base política no Congresso em 2023, ainda no cenário de vitória do ex-presidente.

Atualmente, as emendas de relator não são considerad­as impositiva­s. Essa caracterís­tica, que transforma o uso dos recursos em uma exigência, é aplicada às emendas individuai­s e de bancada.

A primeira vez que o Congresso aprovou o mecanismo de emenda individual impositiva foi durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). O processo foi marcado por embates entre o Planalto, que se opunha à ideia, e o Legislativ­o.

Primeiro, a obrigatori­edade constou na LDO e, depois, passou a ser prevista na Constituiç­ão —mudança aprovada enquanto Eduardo Cunha (MDB), algoz de Dilma, comandava a Câmara.

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Gabriela Biló - 21.jun.22/folhapress O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), chega ao Congresso Nacional

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