Folha de S.Paulo

Eleitora fiel de Bolsonaro não deve ser afetada por acusações de assédio, afirma pesquisado­ra

- Débora Messenberg guimarães Fernanda Brigatti

são paulo As acusações de assédio sexual envolvendo o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães, aliado de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro (PL), devem ter um efeito moderado sobre o eleitorado feminino, avalia a cientista social Débora Messenberg, do Instituto de Ciências Sociais da UNB (Universida­de de Brasília).

O caso gera constrangi­mento e reforça a aversão a Bolsonaro já observada em parte desse eleitorado. Porém, entre as eleitoras que ainda compõem os cerca de 30% que sustentam apoio ao presidente, pouco deve mudar, diz a pesquisado­ra à Folha.

“Para aquelas mulheres que até agora não deixaram de aderir aos princípios morais que supostamen­te o Bolsonaro defende ou a que elas efetivamen­te se alinham, acho que isso não será tão dramático.”

O efeito mais danoso, avalia Messenberg, deverá ser mais visível entre indecisos e eleitores que já não se sentem mais tão confortáve­is com os posicionam­entos de Bolsonaro. “Para o eleitorado envergonha­do, isso pode —e espero que crie— algum tipo de dúvida.”

O presidente já deu diversas declaraçõe­s considerad­as misóginas, diz Messenberg, além de reafirmar com frequência que seus assessores e ocupantes de outros níveis hierárquic­os importante­s são pessoas de sua confiança. “Não é de surpreende­r que aqueles que estão no seu governo compartilh­em de certa visão de mundo próxima à dele.”

Quando consideram­os a ligação de Guimarães com o governo e sua proximidad­e com o presidente, as denúncias podem ter impacto sobreoelei­toradofemi­nino? É mais uma situação, não só de constrangi­mento mas de clareza do posicionam­ento do próprio presidente da República ante uma série de questões relacionad­as a gênero, de uma forma ampliada, e particular­mente em relação às mulheres. Com relação ao eleitorado feminino, ele já sofre uma rejeição bastante elevada, e isso deve se confirmar.

Mas acho que é importante também ficar claro que o eleitorado do Bolsonaro é construído sobre outras referência­s. Ele tem um eleitorado que, mesmo depois de todos esses escândalos, depois da pandemia, depois de um governo que efetivamen­te fez muito pouco, e com 33 milhões de famintos, se mantém com 30% [de intenção de voto]. O eleitorado dele transcende essas questões concretas.

É possível que haja algum impacto sobre as mulheres que já compõem o eleitorado dele? Depende do nível de engajament­o. Aquilo que a gente considera como [apoiador] raiz são aqueles que estão, independen­temente da ação do Bolsonaro, na perspectiv­a de idealizaçã­o, e continuam na projeção dele como líder. É o fascínio que os líderes de extrema direita exercem sobre parcela do eleitorado.

Para aquelas mulheres que até agora não deixaram de aderir aos princípios morais que supostamen­te o Bolsonaro defende, ou a que elas efetivamen­te se alinham, acho que isso não será tão dramático.

Certamente ele vai dizer que isso é uma intriga da oposição ou mesmo que já tomou uma atitude. E também porque não é uma busca pela verdade que esse eleitorado espera, ele quer sempre uma performanc­e, uma projeção contínua em relação a essa liderança.

Mas creio que, para os que estão em dúvida, ou o que a gente chama de “eleitorado do Bolsonaro envergonha­do”, isso pode —e espero que crie— algum tipo de dúvida, ou pelo menos aumente o constrangi­mento. Hoje, muito se trabalha nessa perspectiv­a, a gente está percebendo o eleitorado que não está mais tão à vontade em dizer que vota nele. Talvez para essa parcela possa trazer alguma implicação.

O eleitor do Bolsonaro é visto como conservado­r e avesso a pautas identitári­as ou de gênero. Como esse tipo de assunto, um suposto caso de assédio sexual, pode reverberar nesse cidadão conservado­r?

Vai depender de como isso vai ser tratado, de qual a narrativa o governo vai utilizar para a defesa. Certamente, no mínimo, ele conhece o executivo, e já há um longo tempo. A sua história, e já está saindo na imprensa, é que ele tem essa postura misógina há muito tempo.

Quando ele [Bolsonaro] diz que usava o apartament­o aqui de Brasília para “comer gente”, realmente é o que se espera de uma pessoa que tem esse tipo de discurso em relação a suas referência­s mais próximas, os cargos mais diretos, que tenham e compartilh­em dessa visão de mundo semelhante.

O que esse tipo de acusação, envolvendo o presidente de um importante banco público, diz sobre nós como sociedade?

Desde que esse governo assumiu, estamos tendo retrocesso­s significat­ivos em todas as pautas. Seja na perspectiv­a da ciência, seja nas pautas progressis­tas relacionad­as às mulheres, os avanços do movimento feminista e LGBTQIA+, estamos vivendo um contínuo retrocesso há três anos e meio, mas isso não é uma peculiarid­ade de Bolsonaro.

Bolsonaro faz parte de um processo de avanço da extrema direita no mundo. A vida humana vai em ciclos, ela retrocede. E os governos de extrema direita estão aí para mostrar que têm um respaldo daquilo que o Umberto Eco chama de fascismo eterno.

São essas pessoas em geral que aderem a discursos milagrosos, de transforma­ção social, e discursos reacionári­os que prometem uma volta ao momento idealizado. Essas pessoas sempre existiram.

É impression­ante o que a gente viveu no último mês. A história do Genivaldo [homem torturado e morto em um carro da Polícia Rodoviária Federal], do Bruno Araújo e do Dom Phillips [indigenist­a e jornalista assassinad­os no Amazonas], e uma série de outros casos bárbaros, e isso não alterou esses 30% que ele tem.

Porque, na verdade, isso não é um interesse. As pessoas que se alinham com esse discurso de extrema direita não estão preocupada­s com a verdade, mas com a reafirmaçã­o de suas visões de mundo.

As pessoas que se alinham com esse discurso de extrema direita não estão preocupada­s com a verdade, mas com a reafirmaçã­o de suas visões de mundo

 ?? ?? Débora Messenberg Guimarães Formada em ciências sociais pela Universida­de de Brasília, é doutora e tem pós-doutorado em sociologia pela USP. Atualmente, é professora no Programa de Pósgraduaç­ão em Sociologia da Universida­de de Brasília.
Débora Messenberg Guimarães Formada em ciências sociais pela Universida­de de Brasília, é doutora e tem pós-doutorado em sociologia pela USP. Atualmente, é professora no Programa de Pósgraduaç­ão em Sociologia da Universida­de de Brasília.

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