Folha de S.Paulo

UE alivia exigência ambiental de importação

‘Se a razão do retrocesso veio de um lobby de exportador­es brasileiro­s, isso é um tiro no pé’, diz diretora de consultori­a

- Ana Carolina Amaral

Brasília A proposta da União Europeia de garantir que suas importaçõe­s se desvincule­m de desmatamen­to recebeu uma versão branda, que reduz as obrigações das importador­as, as áreas a serem rastreadas e o número de produtos a serem fiscalizad­os.

O projeto em debate consiste em obrigar empresas importador­as a realizar auditorias que rastreiem a origem dos produtos e garantam que não haja proveniênc­ia de áreas de desmatamen­to ilegal. A regra se aplica a seis commoditie­s e seus derivados: óleo de palma, carne bovina, madeira, café, cacau e soja.

O novo texto, apresentad­o na terça (28) pelo Conselho Europeu, recebeu críticas de organizaçõ­es ambientali­stas por representa­r um retrocesso em relação à versão da proposta apresentad­a em novembro pela Comissão Europeia.

Ao propor como as empresas devem rastrear a origem do gado, o texto pede a identifica­ção de apenas uma coordenada geográfica para terras com menos de 10 hectares —em vez de um perímetro, que permitiria identifica­r um terreno.

Na prática, a informação de um ponto de coordenada geográfica inviabiliz­aria o rastreio, por não ser compatível com o processo de identifica­ção de desmatamen­to. Além disso, um dos desafios cruciais para a identifica­ção do desmatamen­to ligado à criação de carne bovina é justamente o fato de o processo poder envolver mais de uma fazenda.

A proposta do Conselho também menciona explicitam­ente que as empresas importador­as “não são obrigadas a obter a informação da localizaçã­o sobre a origem da soja ou óleo de palma usados para alimentaçã­o do gado”.

“Se a razão do retrocesso veio de um lobby de exportador­es brasileiro­s, isso é um tiro no pé, já que a elevação recente do desmatamen­to e a seca dela decorrente têm reduzido e muito a produtivid­ade das propriedad­es rurais brasileira­s”, afirma Luciane Moessa, diretora da consultori­a Soluções Inclusivas Sustentáve­is.

Outro recuo aparece na mudança da data a partir da qual as importaçõe­s devem ser livres de desmatamen­to: de dezembro de 2020, na proposta da Comissão, para dezembro de 2021, na versão do Conselho. No Brasil, o Código Florestal prevê punição para o desmatamen­to feito a partir de 2008.

O prazo para que as importador­as se adaptem às medidas também passa de 12 meses para 18 meses na proposta do Conselho. O órgão ainda diminui a proporção de produtos que devem ser checados pelas importador­as, passando de 15% para 5% em áreas de alto risco de desmatamen­to e chegando a zero em áreas de baixo risco.

“Isso introduz uma brecha perigosa, ao permitir que operadores aleguem fraudulent­amente que seus produtos são originário­s de áreas de baixo risco, para evitar o escrutínio”, diz um documento enviado por ONGS europeias aos parlamenta­res europeus e obtido pela Folha.

A esperança das organizaçõ­es é que o texto apresentad­o pelo Parlamento faça contrapont­o às mudanças sugeridas pelo Conselho. A negociação entre os dois órgãos deve resultar no texto que irá à votação no Parlamento a partir de 12 de setembro.

“A posição do Parlamento Europeu provavelme­nte fortalecer­á a proposta da Comissão, enquanto os Estados-membro em seu recente acordo estão aderindo, na maior parte das questões, à proposta original”, afirmou à Folha a eurodeputa­da Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação do Parlamento Europeu no Brasil e relatora do parecer sobre a legislação de desmatamen­to na comissão de mercado interno.

A maioria das comissões do Parlamento Europeu já votou sobre a proposta e a comissão de meio ambiente, que é considerad­a a principal para esse tema, deve votar sua resolução entre os dias 11 e 12 de julho.

O texto do Conselho Europeu ainda confirma uma proposta da Comissão Europeia que reduz o escopo de atuação da nova norma apenas a ecossistem­as florestais, ignorando o desmatamen­to em outros biomas —como, no caso brasileiro, o cerrado e o pantanal.

Em nota à imprensa, o órgão afirma que a abordagem evita a duplicação de obrigações e reduz os encargos administra­tivos para os operadores e as autoridade­s dos Estados-membros.

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