UE alivia exigência ambiental de importação
‘Se a razão do retrocesso veio de um lobby de exportadores brasileiros, isso é um tiro no pé’, diz diretora de consultoria
Brasília A proposta da União Europeia de garantir que suas importações se desvinculem de desmatamento recebeu uma versão branda, que reduz as obrigações das importadoras, as áreas a serem rastreadas e o número de produtos a serem fiscalizados.
O projeto em debate consiste em obrigar empresas importadoras a realizar auditorias que rastreiem a origem dos produtos e garantam que não haja proveniência de áreas de desmatamento ilegal. A regra se aplica a seis commodities e seus derivados: óleo de palma, carne bovina, madeira, café, cacau e soja.
O novo texto, apresentado na terça (28) pelo Conselho Europeu, recebeu críticas de organizações ambientalistas por representar um retrocesso em relação à versão da proposta apresentada em novembro pela Comissão Europeia.
Ao propor como as empresas devem rastrear a origem do gado, o texto pede a identificação de apenas uma coordenada geográfica para terras com menos de 10 hectares —em vez de um perímetro, que permitiria identificar um terreno.
Na prática, a informação de um ponto de coordenada geográfica inviabilizaria o rastreio, por não ser compatível com o processo de identificação de desmatamento. Além disso, um dos desafios cruciais para a identificação do desmatamento ligado à criação de carne bovina é justamente o fato de o processo poder envolver mais de uma fazenda.
A proposta do Conselho também menciona explicitamente que as empresas importadoras “não são obrigadas a obter a informação da localização sobre a origem da soja ou óleo de palma usados para alimentação do gado”.
“Se a razão do retrocesso veio de um lobby de exportadores brasileiros, isso é um tiro no pé, já que a elevação recente do desmatamento e a seca dela decorrente têm reduzido e muito a produtividade das propriedades rurais brasileiras”, afirma Luciane Moessa, diretora da consultoria Soluções Inclusivas Sustentáveis.
Outro recuo aparece na mudança da data a partir da qual as importações devem ser livres de desmatamento: de dezembro de 2020, na proposta da Comissão, para dezembro de 2021, na versão do Conselho. No Brasil, o Código Florestal prevê punição para o desmatamento feito a partir de 2008.
O prazo para que as importadoras se adaptem às medidas também passa de 12 meses para 18 meses na proposta do Conselho. O órgão ainda diminui a proporção de produtos que devem ser checados pelas importadoras, passando de 15% para 5% em áreas de alto risco de desmatamento e chegando a zero em áreas de baixo risco.
“Isso introduz uma brecha perigosa, ao permitir que operadores aleguem fraudulentamente que seus produtos são originários de áreas de baixo risco, para evitar o escrutínio”, diz um documento enviado por ONGS europeias aos parlamentares europeus e obtido pela Folha.
A esperança das organizações é que o texto apresentado pelo Parlamento faça contraponto às mudanças sugeridas pelo Conselho. A negociação entre os dois órgãos deve resultar no texto que irá à votação no Parlamento a partir de 12 de setembro.
“A posição do Parlamento Europeu provavelmente fortalecerá a proposta da Comissão, enquanto os Estados-membro em seu recente acordo estão aderindo, na maior parte das questões, à proposta original”, afirmou à Folha a eurodeputada Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação do Parlamento Europeu no Brasil e relatora do parecer sobre a legislação de desmatamento na comissão de mercado interno.
A maioria das comissões do Parlamento Europeu já votou sobre a proposta e a comissão de meio ambiente, que é considerada a principal para esse tema, deve votar sua resolução entre os dias 11 e 12 de julho.
O texto do Conselho Europeu ainda confirma uma proposta da Comissão Europeia que reduz o escopo de atuação da nova norma apenas a ecossistemas florestais, ignorando o desmatamento em outros biomas —como, no caso brasileiro, o cerrado e o pantanal.
Em nota à imprensa, o órgão afirma que a abordagem evita a duplicação de obrigações e reduz os encargos administrativos para os operadores e as autoridades dos Estados-membros.