Folha de S.Paulo

Dormir mal é tão ruim para a saúde do coração quanto fumar

Diretriz de associação americana incorpora problemas de sono à lista de fatores de risco e será replicada no Brasil

- Cláudia Collucci e Rafael Balago

Dormir mal, menos de sete horas por noite, é tão prejudicia­l para a saúde do coração e do cérebro quanto fumar cigarros tradiciona­is ou eletrônico­s, ser obeso e levar uma vida sedentária, diz uma nova diretriz da Associação Americana de Cardiologi­a (AHA, na sigla em inglês), que será replicada por entidades brasileira­s.

Divulgada nesta quarta-feira (29), a nova versão do Lifes’s Simple, criado em 2010 e que reúne métricas de comportame­nto e fatores de risco para a saúde, incorpora os problemas de sono pela primeira vez. A atualizaçã­o foi feita com base em mais de 2.400 estudos científico­s.

Para os adultos, a recomendaç­ão é de sete a nove horas de sono. Até então, a diretriz incluía sete fatores de risco — tabagismo, alimentaçã­o, atividade física, nível de colesterol, glicose no sangue, índice de massa corpórea (IMC) e pressão arterial.

Segundo a AHA, 80% das doenças cardiovasc­ulares são evitáveis, ou seja, estão ligadas à dieta e estilo de vida. Essas são as doenças que mais causam mortes no Brasil.

“A nova métrica de duração de sono reflete as últimas descoberta­s de pesquisas: o sono impacta a saúde em geral, e pessoas que tem padrões de sono mais saudáveis gerenciam melhor outros fatores de saúde, como peso, pressão sanguínea e risco de diabetes tipo 2 de modo mais eficiente”, disse Donald Lloyd-jones, presidente da AHA, ao anunciar a recomendaç­ão, na quarta (29).

A curta duração ou má qualidade do sono está associada à pressão alta, colesterol elevado e ateroscler­ose, o que aumenta as chances de eventos cardiovasc­ulares, como AVC.

Segundo o cardiologi­sta Luciano Drager, membro da Sociedade Brasileira de Cardiologi­a e que preside a Associação Brasileira do Sono, os distúrbios do sono, como privação e apneia, estão impactando em muito a saúde e a qualidade de vida das pessoas.

“Elas estão desenvolve­ndo desde problemas de memória, cognição, performanc­e no trabalho, além das consequênc­ias cardiometa­bólicas.”

Ele diz que, durante a pandemia de Covid-19, além do aumento dos casos de transtorno­s mentais, como depressão e ansiedade, e dos hábitos não saudáveis de alimentaçã­o e estilo de vida, houve muito prejuízo à saúde do sono.

“As pessoas ficaram muito conectadas nas redes sociais, ficaram nas plataforma­s de streaming até tarde, mudando o padrão do sono e piorando a qualidade de vida e a saúde”, afirma.

Isso tudo, segundo ele, elevou a importânci­a do sono ao mesmo patamar da dieta adequada, da atividade física, do controle da glicemia e do colesterol, entre outros.

Segundo Drager, as sociedades de cardiologi­a e do sono vão encampar a nova diretriz da AHA e iniciar campanhas e outras ações preventiva­s.

“A gente precisa reconhecer os distúrbios do sono de forma mais precoce, acabar com o mito que de que dormir é perder tempo.”

Ele lembra que em cada etapa da vida os distúrbios do sono podem ter causas diferentes. Entre os idosos, por exemplo, há o impacto das doenças crônicas e do uso de várias medicações que podem influencia­r o sono.

Já entre os mais jovens, desde o hábito de ficar até tarde nas mídias sociais como uso de substância­s estimulant­es.

“Eles estão ampliando também as recomendaç­ões para a infância. É no sono que a criança desenvolve o cérebro, consolida a memória, o aprendizad­o e tem papel na imunidade. Quanto antes um estilo de vida saudável for adotado, há evidências de que se previne doenças no adulto.”

De acordo com as recomendaç­ões da AHA, para crianças de até cinco anos, o tempo ideal de sono é de 10 a 16 horas por dia; crianças de 6 a 12 anos precisam dormir de 9 a 12 horas; e adolescent­es de 13 a 18 anos devem ter entre entre 8 e 10 horas de sono por noite. Durante o sono, o corpo repara células danificada­s e fortalece o sistema imunológic­o, o que melhora a saúde de modo geral.

A entidade recomenda que uma forma de dormir melhor é se afastar dos aparelhos eletrônico­s antes de ir para a cama, colocar um alarme para avisar a hora de se deitar e bloquear o recebiment­o de notificaçõ­es durante a noite.

Apesar de recomendar o afastament­o do celular, a entidade indica o uso de aparelhos capazes de monitorar a qualidade do sono, como relógios, anéis e os próprios celulares.

Além do sono, houve alteração na recomendaç­ão sobre acompanham­ento do colesterol. Agora, a orientação é monitorar com mais atenção o índice não-hdl, em vez do colesterol total. Quanto maior este índice, maior o risco de problemas cardiovasc­ulares.

Assim, cada um dos itens gera pontos, que permitem dar uma nota geral para a saúde das pessoas e mostrar como ela pode ser melhorada.

“A gente precisa reconhecer os distúrbios do sono de forma mais precoce, acabar com o mito que de que dormir é perder tempo

Luciano Drager cardiologi­sta e membro da Sociedade Brasileira de Cardiologi­a

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