Folha de S.Paulo

Séries ‘The Offer’ e ‘Gaslit’ oferecem desfile de coquetéis

- Daniel de Mesquita Benevides folha.com/geloegim

Ele a convida para um drinque. Ela responde que não costuma beber de manhã. “Nem um bloody mary?”. O coquetel com suco de tomate não era considerad­o bebida nos EUA dos anos 1970. Ao contrário, era tomado como remédio para ressaca.

A conversa continua no restaurant­e. “Uau, parece uma salada”, ela diz, diante de uma taça estupenda de bloody mary, com um enorme rabo de salsão se projetando para cima.

Seu senso de humor afiado diverte o acompanhan­te, que é seu chefe, na verdade chefão, o dono da empresa. Ela faz uma pergunta inteligent­e e capciosa. A resposta é tipicament­e chauvinist­a: “mulheres bonitas como você não devem perder tempo lendo”. Ao que ela retruca: “Mulheres bonitas precisam perder tempo com muita coisa, inclusive beber saladas com CEOS”.

A cena está em “The Offer”, série da Paramount que conta os percalços da produção de “O Poderoso Chefão”. O CEO é Charles Bluhdorn, austríaco histriônic­o, chamado na surdina de mein fuhrer. Ela é Bettye Mccartt, secretária de Al Ruddy, produtor do “Chefão”.

Para o cinéfilo folião, o desfile é carnavales­co. Estão lá Coppola, o diretor, então desconheci­do, Mario Puzo, autor do mega best-seller em que o filme foi baseado, Robert Evans, o manda-chuva dos estúdios da Paramount, e o mafioso Joe Colombo, além do próprio Ruddy. “Brando” e “Pacino” fazem pontas.

Tinha tudo para dar errado. A comunidade italiana não queria ser retratada como uma corja de assassinos. E Sinatra encasqueto­u que o personagem do crooner era uma paródia dele mesmo (no que parece ter acertado). Fora os mil problemas de casting e orçamento.

Mas há coquetéis por toda parte, especialme­nte nas festas de Evans, o playboy e exator de segunda que conquista Hollywood do outro lado do balcão. Numa cena, em que estão celebrando o fim das filmagens, Brando pede um amaretto com uísque —nada menos que o drinque godfather (chefão).

Martha Mitchell tem problemas mais pesados com os homens que a decidida Bettye. Como o nome indica, a série “Gaslit” (Starzplay) conta uma história de abuso psicológic­o (físico também). Isso em meio aos bastidores que levaram ao escândalo de Watergate. É a mesma época de “The Offer”. Mas os gângsteres são outros.

Ela é casada com o procurador-geral dos EUA, lambe-botas de Nixon. Desbocada, fala o que pensa, para desespero do marido e júbilo da imprensa. Sempre com um coquetel na mão, critica o governo de Dick Vigarista e se opõe abertament­e à guerra do Vietnã.

Quando a invasão do escritório da campanha democrata à Presidênci­a é descoberta, Martha é mantida à força num quarto de hotel, sem acesso aos jornais, TV e telefone.

Ela poderia contar o que ouviu nas festas do casal, onde republican­os deixavam escorrer bravatas suspeitas e o cinismo era a cereja dos manhattans. É nesse cenário que emerge a sombra de Reagan.

William Wyler, dos grandes diretores pré-coppola, faria 120 anos nesta sexta (1º). Em 1947, quando começaram os interrogat­órios sobre atividades comunistas em Hollywood, ofereceu sua casa para uma reunião com os convocados a depor e apoiadores.

O (quase) consenso era que invocassem a Primeira Emenda e se recusassem a falar. Estiveram no encontro Bacall, Bogart, Hepburn, Hayworth, Groucho Marx (nenhum parentesco), Brecht e outros. Reagan foi convidado. Macartista dedo-duro, não apareceu.

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Jamurka/adobe Stock Mexer os ingredient­es com gelo e coar para uma taça coupe

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