Folha de S.Paulo

Risco fiscal leva governo Bolsonaro a pagar maiores juros desde Dilma

Desconfian­ça de investidor­es com PEC para turbinar gastos respinga em custo da dívida

- Idiana Tomazelli e Nathalia Garcia

O aumento do risco fiscal tem levado o governo Jair Bolsonaro (PL) a pagar os maiores juros na emissão de novos títulos da dívida pública desde o fim do governo Dilma Rousseff (PT), afastada do cargo em maio de 2016 em um processo de impeachmen­t.

A da turbulênci­a votação da vem PEC (proposta na esteira de emenda à Constituiç­ão) das bondades, que permite ao chefe do Executivo furar o teto de gastos e driblar a legislação eleitoral para abrir os cofres públicos a menos de três meses das eleições.

Bolsonaro está em segundo nas pesquisas, atrás do expresiden­te Luiz Inácio do Lula da Silva (PT), e vê no pacote de benesses uma plataforma para turbinar sua campanha.

O Tesouro realiza leilões periódicos para a emissão de títulos da dívida pública. O objetivo é obter recursos para financiar suas necessidad­es financeira­s em troca de uma remuneraçã­o aos investidor­es, que vão desde grandes fundos nacionais ou estrangeir­os até pequenos poupadores que aplicam como pessoa física.

Um aumento no custo da dívida terá reflexo no esforço que futuros governos precisarão fazer para honrar a fatura dessas obrigações.

Nos últimos dias, as taxas que recompensa­m esses investidor­es romperam patamares só vistos anteriorme­nte em 2016.

As Nacional NTN-FS - (Notas Série F) do de Tesouro dez anos, remunerada­s por uma taxa prefixada, foram emitidas com juros de 13,21% no leilão de 7 de julho. Ataxaéa maior desde7 de abril de 2016( quando ficou em 14,2499%) —às vésperas do afastament­o de Dilma.

O custo atual desse título é mais que o dobro dos 6,51% prometidos pelo Tesouro para se financiar no fim de outubro de 2019, em meio à aprovação da reforma da Previdênci­a no Congresso Nacional.

Os títulos prefixados geralmente têm a preferênci­a de estrangeir­os, mas investidor­es brasileiro­s também adquirem o papel.

Nessa modalidade, não há atualizaçã­o automática por nenhum índice, como inflação ou taxa Selic. Os compradore­s embutem no cálculo de quanto cobrar do Tesouro suas próprias expectativ­as de evolução dos preços —assim, evitam perder dinheiro.

Embora a inflação atual esteja acima de 11% em 12 meses e deva se manter elevada em 2023, as projeções para 2024 em diante são de convergênc­ia à meta de inflação de 3% ao ano. Por isso, o movimento das taxas de juros nos títulos é atribuído à piora da percepção de risco dos investidor­es, que cobram mais para financiar o governo.

A deterioraç­ão também é percebida nas NTN-BS (Notas do Tesouro Nacional - Série B) de 40 anos, o título de maior prazo emitido pelo governo. Nessa categoria, o investidor recebe a variação da inflação no período, mais uma parcela de juro real.

Essa taxa real ficou em 6,17% no leilão de 5 de julho, patamar semelhante ao visto no de 6 de dezembro de 2016 (6,178%) e maior desde 26 de abril de 2016 (6,25%). O custo também dobrou em relação ao observado logo após a aprovação da reforma da Previdênci­a.

O aumento pública contribui no custo da para dívida piorar a situação das contas do país. O Brasil convive desde 2014 com déficits primários, ou seja, as receitas com tributos e outras fontes de arrecadaçã­o nem sequer cobrem os gastos com benefícios, salários, custeio e investimen­tos.

Para bancar o rombo, o país emite títulos, pagando juros aos investidor­es. E, para honrar as dívidas criadas no passado e que estão próximas do vencimento, o governo também emite novos papéis, em uma operação chamada de rolagem da dívida.

Se a rolagem é feita com um custo maior, há um reflexo no tamanho do esforço futuro para honrar esses pagamentos. A dívida pública federal somava R$ 5,6 trilhões em maio, e o custo médio de todo esse estoque estava em 9,86% ao ano, o maior desde novembro de 2018.

Jeferson Bittencour­t, economista da ASA Investment­s e ex-secretário do Tesouro, afirma que o encadeamen­to de manobras fiscais, em meio a um cenário de muita incerteza, traz um custo maior de credibilid­ade. “Cada flexibiliz­ação das regras fiscais tem um custo marginal maior em termos de imagem, porque vai migrando para uma área mais arriscada da capacidade de manter a credibilid­ade na solvência da dívida”, diz.

Segundo ele, a trajetória das variáveis fiscais é sempre preocupant­e em um país como o Brasil, que tem um nível de dívida em 78,3% do PIB até abril, elevado se comparado com outras economias emergentes (pouco acima de 60% do PIB em média), além de um custo da dívida alto.

O período eleitoral é outro fator que traz volatilida­de, de acordo com o economista, além de um ciclo de alta de juros básicos bastante contracion­ista —o maior e mais intenso desde a adoção do regime de metas de inflação. Tudo isso em meio a um cenário inflacioná­rio global, temor de recessão e choque de juros mais agressivos no cenário internacio­nal.

“Esses ingredient­es são suficiente­s para gerar muita preocupaçã­o em relação ao quadro fiscal e exigir muito comprometi­mento das autoridade­s com a condução da política fiscal daqui para a frente”, diz.

“Para culminar, a cereja do bolo, a gente tem medidas fiscais que estão sendo tomadas neste momento com intuito de debelar os efeitos da inflação sobre a economia, mas que, de certa forma, acabam sustentand­o a atividade, fortalecen­do o consumo, e algumas delas até distorcend­o o mecanismo de preços.”

Algumas das medidas são temporária­s, entre elas a redução de tributos federais, de forma que sua reversão acabará pressionan­do a inflação de 2023. Diante disso, o Banco Central sinalizou a intenção de manter a taxa básica de juros em um patamar elevado por mais tempo. Hoje, a Selic está fixada em 13,25% ao ano.

Segundo Bittencour­t, em um cenário de ciclo de aperto monetário mais longo, o governo não tem outra alternativ­a a não ser se refinancia­r em um novo patamar mais alto de taxa de juros, elevando o custo da dívida a longo prazo.

“Se o cenário se deterioras­se de modo que o BC tivesse de elevar a Selic um ponto percentual acima do que está previsto, isso levaria a 0,7 ponto porcentual do PIB a mais de dívida no fim de 2023. A dívida seria R$ 75 bilhões acima do previsto”, diz.

Para Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultori­a, a expectativ­a é de piora no custo da dívida.

“A gente não tem uma perspectiv­a positiva nem em um cenário em que a gente vem colhendo fluxos fiscais positivos, quem dirá num cenário em que a gente tenha perspectiv­as tão negativas. A gente tem desafios do lado macroeconô­mico, questão do câmbio, da política externa.”

A economista cita também medidas de renúncia de receitas com corte de impostos e os reflexos da PEC das bondades.

Para Damasceno, a deterioraç­ão do risco fiscal ganha mais força agora porque o governo Bolsonaro tenta contornar o teto de gastos pela segunda vez em seis meses depois da PEC do Precatório­s, que adiou o pagamento de dívidas judiciais e alterou a forma de cálculo do teto de gastos para abrir um espaço de R$ 115 bilhões em despesas. Agora, a nova fatura está em R$ 41,25 bilhões.

“A gente está fazendo isso para emplacar gasto que é claramente eleitoral. Se não fosse, não estava datado para encerrar dia 31 de dezembro.”

A economista lembra ainda que, quando a MP (medida provisória) do Auxílio Brasil tramitava no Senado, o trecho que decretava o fim da fila do programa foi vetado.

“É uma discussão muito oportuna e eleitoreir­a que deixa um legado perigoso.”

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Gabriela Biló - 6.jun.22/folhapress O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto
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