Folha de S.Paulo

Quem tem medo de Lula no poder?

Retorno traz riscos, mas petista pode fazer governo fiscalment­e responsáve­l

- Rodrigo Zeidan Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ

Que o PT gerenciou mal a economia brasileira, não se discute. Que a corrupção parece ter corrida solta, também não. Ainda assim, é para ter medo de um novo governo Lula? Em comparação à reeleição do atual presidente, a resposta é não. E com convicção.

O tal “mercado” já se tranquiliz­ou com a liderança do expresiden­te nas pesquisas (um dia vamos parar de usar termos mal definidos, como mercado, neoliberal­ismo e outros, mas, até lá, sigamos). A cada política absurda do Superminis­tério da Economia, investidor­es se convencem de que não dá para ficar pior.

Obviamente, a volta de Lula traz riscos. Muitos dos seus economista­s estão presos na década de 1970, com ideias retrógrada­s que, no fundo, só servem para transferir renda dos pobres para ricos (haja bolsa-empresário). Mas e o risco de corrupção? Esse, contraintu­itivamente, preocupa menos.

Corrupção é jogo dinâmico, que requer contínuas adaptações de agentes públicos e privados.

Requer também ofuscação; ações escondidas ou tão complicada­s para que seja impossível rastreá-las. O único benefício da polarizaçã­o política é tornar muito difícil para membros do terceiro governo Lula montarem esquemas robustos de corrupção.

Cada burocrata que apoia o atual governo vai passar um pente-fino nas decisões do governo. Além disso, mídia e sociedade civil também terão incentivos muito maiores para fiscalizar o Planalto. “Fool me once, shame on you; fool me twice, shame on me”, como dizem os americanos (se me engana uma vez, a culpa é sua, se me engana duas, a culpa é minha).

Sabemos que Lula pode fazer um governo fiscalment­e responsáve­l. Das quatro gestões petistas, a primeira foi ótima, combinando reformas, a melhor política social brasileira da historia, o Bolsa Família, e estabilida­de macroeconô­mica.

A megalomani­a petista começou no segundo governo Lula. Mas tal descontrol­e seria praticamen­te impossível, já que o superminis­tro da Economia vai entregar a economia destruída e contas públicas em frangalhos.

Isso quer dizer um governo petista sem riscos? Obviamente, não. Políticos brasileiro­s são imensament­e criativos em buscar novos métodos de transferir recursos públicos para bolsos privados; veremos campeãs nacionais, a revanche? Mas é provável a reversão da destruição institucio­nal causada por esse governo —como o desmantela­mento das agências de fiscalizaç­ão ambiental; políticas sérias de amenização dos danos da pandemia, em vez de negacionis­mo tosco, e mais a normalizaç­ão das relações internacio­nais; hoje, o Brasil é um pária mundial. Esses já seriam motivos para nos sentirmos aliviados.

Para mitigar ainda mais riscos, precisaría­mos de plano de governo detalhado, com propostas concretas. Mas, no Brasil, é normal que planos de governo não tenham nenhuma substância. Isso é impensável no resto do mundo, para o bem e para o mal; o referendo para o brexit aconteceu porque era proposta de campanha de David Cameron. Ele acabou renunciand­o, pois defendia a permanênci­a do Reino Unido na União Europeia. Teria sido muito mais fácil ignorar a promessa e nunca colocar o referendo na mesa, mas isso é inaceitáve­l em democracia­s maduras.

Lula, seu plano de governo vai vir cheio de banalidade­s ou é só a busca do poder pelo poder? O PT planeja continuar com políticas da década de 1970 ou vai dar um salto de ideias? Agradecemo­s não receber respostas vazias para perguntas que realmente importam.

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