Dispersão de usuários provoca conflitos, dizem estudiosos
Presença de dependentes químicos da cracolândia em novos pontos no centro de SP faz a população exigir ações duras
A dispersão de usuários de drogas por diferentes pontos do centro de São Paulo provoca conflitos com a população e eleva o apoio à repressão da polícia, aumentando a violência na região, afirmam especialistas.
Antes concentrada no entorno da praça Júlio Prestes, a cracolândia se espalhou por um perímetro estimado atualmente em 20 quadras no centro da capital, após ação policial que desmantelou há dois meses a aglomeração de usuários de drogas e traficantes na praça Princesa Isabel.
Essa disseminação ampliou o impacto social causado pela cracolândia, segundo o advogado Giordano Magri, pesquisador do Núcleo de Estudos da Burocracia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGVSP). “A estratégia de espalhar o fluxo é equivocada porque não tem um objetivo final definido, apenas acirra a tensão social já latente”, diz. Fluxo é o nome dado para a concentração de usuários de drogas.
O antropólogo Mauricio Fiore, pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), tem opinião parecida: “A dinâmica de espalhar a cracolândia faz com que a polícia tenha mais adesão da população diante de repressões violentas”.
O estudioso se refere ao episódio registrado nesta semana em que comerciantes da região da Santa Ifigênia afugentaram a paus e pedras a aglomeração que se instalou nas ruas comerciais e saqueou estabelecimentos comerciais, na quarta-feira (6).
Vídeos gravados com câmeras de celular mostraram funcionários dos estabelecimentos comemorando a dispersão após alguns dependentes terem sido atingidos. No dia seguinte, lojistas organizaram um protesto pedindo mais segurança. Atos semelhantes, sem violência, foram articulados por moradores do bairro Campos Elíseos.
“Os enfrentamentos nas ruas do centro geram uma reação popular maior, algo que não existia quando a cracolândia estava constituída em uma área já degradada da cidade”, afirma Fiore.
Alan Fernandes, coronel da reserva da Polícia Militar e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, prevê mais conflitos como reação à tentativa dos usuários de drogas de se fixarem em um novo local. “Estava cada um no seu quadrado e, agora, outras áreas com maior poder econômico estão tendo que lidar com o problema”, diz.
Para Fernandes, as operações policiais não se sustentam a longo prazo, sendo necessárias outras ações. “A polícia executa e prende. Os órgãos municipais têm que ter estratégias mais robustas para dar guarida a essa população.”
Apesar de a dispersão da cracolândia ter se intensificado após a operação de maio, pontos isolados de dependentes químicos pelo centro têm sido vistos com mais frequência desde o início de 2020, quando prefeitura fechou os centros de acolhida no entorno da praça Júlio Prestes, onde estava a cracolândia.
Usuários que passavam as noites e recebiam refeições nesses equipamentos —podendo ser encaminhados para tratamento— montaram barracas na praça Princesa Isabel, a poucos quarteirões dali.
O desmonte da estrutura voltada aos usuários foi estimulado pela mudança do perfil da população na região, avalia o pesquisador. Os terrenos onde ficavam os contêineres da prefeitura deram lugar a conjuntos residenciais e, recentemente, ao hospital estadual Pérola Byington, que vai receber pacientes em agosto.
O trabalho do Redenção, programa anticrack da prefeitura, passou para endereços distantes do fluxo. Os centros de acolhimento temporário ficam, pelo menos, a 3,6 quilômetros das aglomerações de dependentes químicos.
Conforme os frequentadores evoluem no tratamento, são mandados para endereços de longa permanência ainda mais distantes, nos bairros de Ermelino Matarazzo (zona leste), Brasilândia (zona norte) e Heliópolis (zona sul).
Dessa forma, ressalta Magri, a única presença do poder público na cracolândia passou a ser a polícia e a GCM (Guarda Civil Metropolitana).
As gestões do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do governador Rodrigo Garcia (PSDB) defendem a estratégia de dispersão da cracolândia como uma forma de desarticular o tráfico de drogas e, assim, impedir o abastecimento de entorpecentes na região central.
De acordo com a Polícia Civil, as sucessivas ações da operação Caronte sufocaram o tráfico de drogas na cracolândia ao prender traficantes e fechar hotéis que serviam de ponto de apoio ao crime organizado.
O delegado Roberto Monteiro, da 1ª Delegacia Seccional do Centro, afirma que a dinâmica do fluxo é tão arraigada que novas aglomerações se formam rapidamente após cada operação para prender traficantes e apreender drogas.
A estratégia de espalhar o fluxo é equivocada porque não tem um objetivo final definido, apenas acirra a tensão social já latente
Giordano Magri advogado e pesquisador do Núcleo de Estudos da burocracia da FGV-SP