Folha de S.Paulo

Mercado financeiro precisa acelerar implementa­ção de acordo climático

Debatedore­s defendem transparên­cia de fundos e investimen­to de nações ricas em medidas verdes

- Pedro Lovisi

Acordos políticos da COP26 para mitigar as mudanças climáticas não se transforma­ram rapidament­e em ações, apontam analistas.

Com isso, a previsão de limitar o aumento da temperatur­a global a 1,5ºc não deve ser alcançada. Nessa esteira, o mercado financeiro ganha destaque como acelerador dos compromiss­os adotados na conferênci­a, realizada no ano passado em Glasgow.

O tema foi discutido na primeira mesa do seminário O Brasil e o Mundo Após a COP26, na quarta-feira (6). O evento foi organizado pelo projeto Planeta em Transe, da Folha, com o apoio da Open Society Foundation­s. A moderação foi dos jornalista­s Marcelo Leite, colunista da Folha, e Cristiane Fontes.

Carlos Nobre, cientista brasileiro membro da Royal Society, alertou para uma pesquisa do serviço britânico de meteorolog­ia que aponta risco de 48% de o planeta aquecer 1,5ºc até 2026.

O estudo, divulgado em maio, atrela o aqueciment­o a um eventual El Niño nos próximos anos. O fenômeno aumenta as temperatur­as das águas do oceano Pacífico.

Ainda que as projeções do órgão britânico não ocorram, Nobre estima que o limite estabeleci­do para o aqueciment­o global será atingido no início da próxima década. “Os países fizeram promessas na COP26, mas nada está indo nessa direção. Temos que partir do princípio que esse limite será ultrapassa­do em menos de 12 anos”, afirma.

O IPCC (Painel Intergover­namental sobre Mudanças Climáticas) estima que, para limitar o aqueciment­o global a 1,5°C, as emissões de carbono não podem passar de 400 bilhões de toneladas. A emissão hoje do gás é de 40 bi por ano.

Entre outras medidas, o texto da COP26 regulament­ou o mercado de carbono e reconheceu a necessidad­e de redução de 45% das emissões até 2030. A meta do Brasil foi maior: reduzir em 50% a emissão de gases poluentes até o final da década e neutraliza­r a emissão de carbono até 2050. O objetivo brasileiro, porém, não supera o estipulado em 2015, no Acordo de Paris.

Nick Bridge, representa­nte especial para mudanças climáticas da Secretaria de Relações Exteriores do Reino Unido, admite que os acordos de Glasgow não foram suficiente­s.

Uma das decepções está atrelada à conquista de China e Índia de trocar no acordo o termo “eliminação” por “redução” do carvão, cuja queima libera CO2. Com a Guerra da Ucrânia, a Europa aumentou a queima de carvão para compensar sanções aos combustíve­is vindos da Rússia.

Segundo Bridge, o principal objetivo da conferênci­a era atrair o mercado financeiro. “A agricultur­a sustentáve­l está no cerne da presidênci­a da COP26. É uma demanda que vem dos países consumidor­es e não apenas daqueles que ofertam.”

Graham Stock, estrategis­ta da Bluebay Asset Management para títulos soberanos de mercados emergentes, também desconfia do cumpriment­o das promessas das nações —entre elas, o Brasil.

“Não tem como zerar as emissões sem diminuir o desmatamen­to, e o número de queimadas e desflorest­amento no país aumentou nos últimos meses”, afirma.

Para Stock, um dos caminhos para acelerar os compromiss­os da conferênci­a está na transparên­cia de instituiçõ­es financeira­s. Segundo ele, os fundos devem apresentar a quantidade de emissão de carbono de suas carteiras de investimen­tos e privilegia­r empresas verdes.

Países em desenvolvi­mento cobram de nações mais ricas um fundo de US$ 100 bilhões (cerca de R$ 534 bilhões) para investimen­tos em ações sustentáve­is. A discussão está em pauta desde 2009 e a quantia deveria ter sido disponibil­izada até 2020. Na COP26, acordou-se que o prazo será estendido até o ano que vem.

“A África, por exemplo, é um continente não só impactado pelas mudanças climáticas, mas também o continente que tem o menor número de recursos para lidar com essa crise. O principal impacto hoje é a inseguranç­a alimentar”, diz Elizabeth Wathuti, ativista do Quênia e fundadora da Green Generation Initiative.

Ela é uma das defensoras do financiame­nto de países ricos para os menos desenvolvi­dos. “Em todas as cúpulas, vemos o mesmo: um padrão de compromiss­os que são feitos, mas não cumpridos.”

Considero a mitigação das mudanças climáticas o maior desafio que a humanidade já enfrentou. É muito maior do que vencer a pandemia de Covid-19

Carlos Nobre cientista brasileiro membro da Royal Society

As pessoas dizem que a COP27 será uma conferênci­a africana, por ser no Egito. Mas ela será africana porque as necessidad­es do continente serão muito bem representa­das

Elizabeth Wathuti ativista do Quênia e fundadora da Green Generation Initiative

Com a interrupçã­o do abastecime­nto de gás russo para a Europa, temos de garantir que nós não reinvistam­os em fontes energética­s mais poluentes

Nick Bridge representa­nte especial para mudanças climáticas do Reino Unido

O governo brasileiro precisa redobrar seus esforços para garantir que os dados de meio ambiente estejam disponívei­s e sejam transparen­tes

Graham Stock estrategis­ta da Bluebay Asset Management

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Jardiel Carvalho/folhapress Mesa do seminário O Brasil e o Mundo Após a COP26, que teve mediação de Marcelo Leite, colunista da Folha
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