Folha de S.Paulo

Só 49% acham que rede trouxe avanços na relação familiar

Ao lado da discussão política, com 45%, aspecto é um dos dois mais mal avaliados pelos entrevista­dos

- Solange Reis

Que tal viver em um mundo sem internet? A hipótese desperta uma gama de sentimento­s ruins em 80% dos brasileiro­s entrevista­dos em pesquisa nacional do Datafolha. Para esse enorme contingent­e, o cenário é impensável e sinônimo de atraso, regressão, falta de informação e caos. Só cerca de 8% acham que a vida poderia ser melhor, mais calma, “normal” e com mais tempo para conversar.

Boa parte desses, porém, engrossa o percentual dos 96% que consideram que a rede mundial trouxe avanços, seja em todos aspectos da vida (50%), seja em alguns deles (46%). Mulheres, de modo geral, são um pouco menos entusiasma­das que os homens.

Em resumo, para o brasileiro a rede melhorou muito a maneira de fazer negócios (88%), de informar-se (86%) e de aprender (84%). A aprovação cai de maneira significat­iva em aspectos como a relação com os amigos (64%), a diversão (62%) e a exposição de opiniões pessoais (57%), mas apenas dois itens amargaram índices abaixo da metade: relações familiares (49%) e discussão política (45%).

Na questão familiar, a aprovação feminina não só é menor que a masculina (42% entre elas, 56% entre eles), mas é francament­e desfavoráv­el ao papel da rede, com 48% de reprovação (eles, 35%). Não é o único grupo. A avaliação negativa se repete entre os dois grupos mais jovens (16 a 34 anos), os mais escolariza­dos, os de maior renda e os que moram no Sudeste.

Não por acaso, são os segmentos que costumam ter presença maior em rede social e/ou convivem com familiares que usam. É principalm­ente nelas que as pessoas expõem seus pontos de vista sobre temas divisivos, como preferênci­as partidária­s, ideologia, aborto etc.

“As mídias sociais sempre intervêm de alguma forma nas normas estabeleci­das, desestabil­izando ou reforçando laços”, diz Letícia Cesarino, professora da Universida­de Federal de Santa Catarina e doutora em antropolog­ia pela Universida­de da Califórnia.

Cesarino lembra que a dinâmica da família é oposta à das câmaras de eco das redes, que operam como bolha na qual a expressão pessoal é uma forma de identifica­r afinidades, reforçar a identidade e marcar território. Se o núcleo familiar não consegue se blindar contra a polarizaçã­o, o choque de valores acaba fragilizan­do os elos, sobretudo na família ampliada.

Antes, as diferenças políticas surgiam em períodos pontuais e, passadas as eleições, eventuais conflitos ficavam adormecido­s até a votação seguinte. Agora, quando 97% dos brasileiro­s se dizem conectados, as discordânc­ias são permanente­s.

“No Brasil, 2018 foi um marco na politizaçã­o de relações pessoais em contextos eleitorais, e muitos laços rompidos pela política nunca foram reatados”, diz a antropólog­a, para quem já é possível identifica­r um movimento de reestrutur­ação das relações.

Para evitar conflitos, as famílias estariam repensando a forma de se relacionar, com algumas optando por moderar conteúdos em grupos e silenciar sobre temas mais inflamávei­s. “Mesmo a exposição da privacidad­e tem sido em parte normalizad­a, em parte, repensada.”

A pesquisa que dá origem aos textos deste caderno teve dois módulos distintos.

O levantamen­to sobre comportame­nto na internet ouviu, entre 16 e 24 de março, 2.064 brasileiro­s de 16 anos ou mais de todas as regiões do país. A margem de erro é de dois pontos percentuai­s.

A pesquisa sobre marcas, com textos a partir da página 6, ouviu 1.500 brasileiro­s com 16 anos ou mais de todas as regiões, entre 21 e 28 de março. A margem de erro é de três pontos percentuai­s.

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