Folha de S.Paulo

Fim do milagre marcou conjuntura econômica em 1977

Constituiç­ão do período da ditadura militar também não garantia rede de proteção social à população brasileira

- são paulo Eduardo Cucolo

Mauro Rodrigues

“O desastre que foi a década de 1980 e o começo da década de 1990 está muito ligado às escolhas de políticas públicas feitas naquele período professor da FEA-USP

Umaeconomi­a em marcha forçada. Era dessa forma que, em 1977, o governo do general Ernesto Geisel tentava manter o cresciment­o do país, quatro anos após o primeiro choque do petróleo colocar fim ao chamado “milagre econômico”.

O Brasil da “Carta aos Brasileiro­s”, o manifesto da época pela democracia, era um país mais desigual, com acesso restrito a serviços públicos de educação e saúde e sem uma ampla rede de proteção social.

A alta dos preços corroía o poder de compra, com inflação que chegaria a 40% naquele ano. Era o início de um processo de aceleração para a hiperinfla­ção que só seria interrompi­do, definitiva­mente, com o Plano Real, em 1994.

Dos 112 milhões de habitantes, cerca de 100 milhões a menos do que o estimado atualmente, uma grande parcela ainda vivia no campo.

Para manter a economia em marcha, o principal instrument­o do governo era um programa estatal de grandes obras de infraestru­tura, subsídios à indústria e substituiç­ão de importaçõe­s, financiado com muito endividame­nto externo, o 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvi­mento).

Parte do objetivo seria alcançado. Depois de crescer a uma taxa média de 10% ao ano de 1968 a 1976, a economia do país teve um avanço anual de 6,5% nos quatro anos seguintes.

Era a transição entre o milagre e o período de recessão que viria após uma nova virada na economia mundial. O choque do petróleo de 1979 trouxe uma onda global inflacioná­ria, seguida pela abrupta elevação dos juros nos EUA e a quebradeir­a dos endividado­s países latino-americanos. Entre eles, o Brasil, que entrou em recessão nos últimos anos da ditadura militar.

O barril de petróleo passou de US$ 2,48 para US$ 13,60 após o primeiro choque, e para mais de US$ 30, após o segundo. Os juros nos EUA chegaram a 16% ao ano no início dos anos 1980. “O desastre que foi a década de 1980 e o começo da década de 1990 está muito ligado às escolhas de políticas públicas feitas naquele período”, afirma Mauro Rodrigues, professor da FEA (Faculdade de Economia e Administra­ção da USP) e membro da equipe do porque.com.br.

Como muitos economista­s, ele pondera que é impossível saber o que teria ocorrido com o Brasil se o governo tivesse optado por uma política de austeridad­e em vez de buscar o cresciment­o econômico.

Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que o cresciment­o financiado pelo endividame­nto em moeda forte cobrou um preço elevado do país nos anos seguintes, mas que o governo atingiu alguns objetivos, como o fortalecim­ento das indústrias de base e a redução da dependênci­a do petróleo.

Ela vê um paralelo entre a situação econômica em 1977 e 2022: alta de preços da energia, disparada da inflação, alta de juros nos EUA e desacelera­ção das grandes economias. Mas afirma que as questões que envolvem os manifestos nas duas épocas são muito mais políticas do que econômicas.

“A gente não está tendo esse manifesto porque a inflação subiu. A defesa do Estado democrátic­o de Direito é mais ampla e profunda do que as questões econômicas. Essa carta tem a função de chamar a atenção da população para o respeito ao resultado das urnas.”

A economista afirma que uma diferença importante entre os dois momentos são os direitos garantidos pela Constituiç­ão de 1988, que substituiu a Carta outorgada durante a ditadura. Mauro Rodrigues, professor da FEA, também destaca esse ponto. “O país era mais desigual, e o acesso a serviços públicos, como saúde e educação, não era para todo mundo. Isso veio com a Constituiç­ão de 1988.”

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