‘Jamais tivemos conhecimento’, dizem Lemann, Telles e Sicupira
são paulo O trio de acionistas de referência da Americanas, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, que juntos possuem 31% da empresa, divulgou nota neste domingo (22) na qual eles afirmam que jamais tiveram conhecimento e que nunca admitiriam quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia.
A nota —a primeira manifestação pública desde o estouro do escândalo contábil, no dia 11— foi antecipada pelo site Brazil Journal.
Os acionistas dizem que a Americanas foi administrada por executivos considerados qualificados e de reputação ilibada nos últimos 20 anos, e que contava com uma das maiores e mais conceituadas empresas de auditoria independente do mundo, a PwC.
“Jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia. Nossa atuação sempre foi pautada, ao longo de décadas, por rigor ético e legal”, dizem os três acionistas.
“Isso foi determinante para a posição que alcançamos em toda uma vida dedicada ao empreendedorismo”, completam.
No texto, o trio diz ainda reafirmar “o empenho em trabalhar pela recuperação da empresa, com a maior brevidade possível”, para garantir “um futuro promissor” também para empregados, parceiros e investidores, “e em chegar a um bom entendimento com os credores”.
Eles dizem ainda que desde que a empresa divulgou ao mercado, no dia 11 de janeiro, a existência de cerca de R$ 20 bilhões em “inconsistências em sua contabilidade”, vários esforços vêm sendo feitos.
Em nenhum momento os três falam sobre a possibilidade de colocar dinheiro para capitalizar a empresa —algo que os bancos credores têm os pressionado a fazer. Eles afirmam que, como acionistas, também foram “alcançados por prejuízos”.
O trio afirma que o comitê independente da companhia terá todas as condições de apurar os fatos que redundaram nas inconsistências contábeis, bem como de avaliar a eventual quebra de simetria no diálogo entre os auditores e as instituições financeiras.
“Manifestamos mais uma vez nosso compromisso de integral transparência e de total colaboração em tudo que estiver ao nosso alcance para esclarecer todos os fatos e suas circunstâncias”, dizem os três.
Lemann, Telles e Sicupira afirmam ainda que “assim como todos os demais acionistas, credores, clientes e empregados da companhia, acreditávamos firmemente que tudo estava absolutamente correto”. “Lamentamos profundamente as perdas sofridas pelos investidores e credores, lembrando que, como acionistas, fomos alcançados por prejuízos”, dizem.
Minoritário investiu R$ 40 mil horas antes do escândalo Daniele Madureira
são paulo Era por volta de 16h do dia 11 de janeiro. O administrador de empresas André Krizak, 48, decidiu fazer um novo aporte na sua carteira de ações de varejo na B3 e escolheu a Americanas. Investiu boa parte das suas economias —”mais de R$ 40 mil”— para multiplicar por seis a sua posição na empresa que, sob nova gestão desde 1º de janeiro de 2023, prometia deslanchar.
“Eu estava animado com a chegada de Sergio Rial à Americanas, o que em tese motivou também o aumento da participação da BlackRock no negócio”, diz Krizak, se referindo a uma das maiores gestoras de ativos do mundo.
Krizak sempre admirou a gestão de Rial —ex-presidente do Santander Brasil, onde também ocupava a presidência do conselho do banco até a sexta-feira (20), ex-presidente da Marfrig, e já apontado pela Forbes como o CEO mais bem pago do país, com um salário anual de R$ 59 milhões. Havia uma grande expectativa em torno da chegada de Rial à companhia, que nos últimos 20 anos havia sido comandada por Miguel Gutierrez.
O administrador teve um baque quando, cerca de três horas depois de investir, soube que Rial assinou um fato relevante que tornou pública a existência de R$ 20 bilhões em “inconsistências contábeis” na Americanas.
No mesmo anúncio, Rial renunciou à presidência e se apresentou como assessor dos acionistas de referência, os bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, que até o final de 2021 eram os controladores do negócio.
Na quinta (19), apenas oito dias depois do anúncio de Rial, a Americanas entrou em recuperação judicial com dívidas de R$ 43 bilhões, a quarta maior operação dessa natureza na história do Brasil.
“Me senti fraudado”, disse Krizak à Folha. “Comprei a ação por R$ 12 e agora ela vale menos de R$ 1, preço de bala. O tombo foi grande para mim. A Americanas fez o 11 de janeiro se transformar no meu 11 de setembro”, diz.
Na sexta (20), a ação foi negociada a R$ 0,71, seu menor valor histórico.
O administrador —que no momento está afastado do mundo corporativo, em tratamento de câncer de pele e fazendo mestrado em varejo na FGV— tem passagens por grandes empresas do setor alimentício, como Nestlé, Bunge, Mars e Dori, sempre na área comercial. Segundo ele, com o investimento do dia 11, 60% da sua carteira de ações passou a ser composta de Americanas.
“O investimento em Bolsa é arriscado e eu sou ciente disso. Mas desde que o jogo seja limpo. O que houve na Americanas foi fraude, algo semelhante ao que Bernie Madoff fez nos Estados Unidos”, diz Krizak, referindo-se ao operador financeiro Bernie Madoff, que foi condenado pela maior fraude financeira da história dos EUA, e morreu em 2021 na prisão, aos 82 anos, 12 anos após ser sentenciado a 150 anos de detenção.
“Eu fui fraudado, mas vou buscar justiça, quero representar os minoritários nesta disputa. A Americanas levou parte do dinheiro que me deixaria mais tranquilo no momento de enfrentar a minha doença”, diz Krizak, que critica a atuação da auditoria da Americanas, a PwC, e a B3, a Bolsa de valores brasileira.
A B3 lista no Novo Mercado as empresas que alcançam o mais alto índice de transparência e governança corporativa. A Americanas integrava o Novo Mercado. “A B3 e a PwC não me passam mais credibilidade”, diz Krizak.
Questionada pela Folha ,a PwC disse, por meio da sua assessoria, que “não comenta casos de clientes”.
O presidente da B3, Gilson Finkelsztain, divulgou nota, por meio da sua assessoria, em que afirma que “o Novo Mercado estabelece o que as empresas devem estruturar em termos de governança corporativa. Mas o esforço para evitar prejuízos ao investidor deve mobilizar todos os agentes do mercado, como reguladores, auditorias e os próprios investidores.”
Segundo Finkelsztain, a B3 poderá avaliar a criação de regras de exclusão de empresas do Novo Mercado na próxima revisão do segmento. “É um debate interessante, mas que sozinho não evita prejuízo ao investidor, porque funciona após o surgimento do problema. O mais relevante é buscarmos medidas cada vez mais eficientes de evitar que isso ocorra”, afirmou.
A Abradin (Associação Brasileira de Investidores), que reúne sobretudo acionistas minoritários, também faz duras críticas às empresas que deveriam fiscalizar os controles de governança da Americanas.
“O episódio deixa evidente a completa ineficiência dos mecanismos de controle estabelecidos pelos reguladores e pela lei brasileira”, diz André Valporto, presidente da Abradin. “A começar pela mais absoluta incompetência da empresa auditora, a PwC, cujos pareceres servem para induzir investidores ao erro. Foi assim com Petrobras, IRB e agora com Americanas”, afirma.
No último dia 13, a Abradin apresentou uma denúncia à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para pedir apuração de responsabilidades sobre o caso Americanas.
De acordo com Valporto, por ser listada no Novo Mercado da B3, a Americanas é obrigada a preencher uma série de requisitos de governança. “O que ficou patente, mais uma vez, é que a B3 nāo fiscaliza absolutamente nada e que pertencer às listagens especiais da Bolsa nāo tem significado algum”, diz. “A única multa aplicada pela B3 à Americanas foi 2012, pela demora na atualização de dados.”
Ele aponta que a B3 deu aval a todas as divulgações financeiras da empresa. “Dos 150 mil acionistas da Americanas, 146 mil são pessoas físicas, que estāo amargando a enorme dilapidação do seu patrimônio por culpa dos fraudadores e de quem os avalizou, como a PwC e a própria B3”, diz.