Folha de S.Paulo

Americanas voltará à mesa?

Recuperaçã­o judicial pode dificultar a valorizaçã­o das ações da varejista

- Marcos de Vasconcell­os Jornalista, assessor de investimen­tos e fundador do Monitor de Mercado

Em apenas oito dias, as ações da Americanas (AMER3) conseguira­m a proeza de sair da mesa dos queridinho­s e ocupar a impopular bancada das empresas em recuperaçã­o judicial na Bolsa. Tem agora como “vizinhas” a livraria Saraiva (SLED4); a gigante do amianto Eternit (ETER3); e a Teka (TEKA3), das roupas de cama, mesa e banho.

Entrar em recuperaçã­o judicial tem suas vantagens, mas a valorizaçã­o das ações dificilmen­te é uma delas. O instituto serve para travar cobranças, facilitar as negociaçõe­s e permitir à empresa colocar-se de volta nos trilhos, ainda que em marcha lenta. E quem gosta de marcha lenta no mercado de ações? Pergunte à Oi.

Quando a Justiça aceitou o pedido de recuperaçã­o judicial da ex-gigante da telefonia, em 2016, as ações OIBR3 custavam coisa de R$ 1,52. Durante o período da recuperaçã­o, em meio a muita especulaçã­o, chegaram a passar de R$ 4,40. Quando saiu da maratona, há mais ou menos um mês, o preço da OIBR3 na Bolsa era de R$ 0,17. Dezessete centavos!

Agora, em janeiro, para tentar segurar um pouco o sobee-desce de preços (volatilida­de), a Oi agrupou suas ações na proporção de 10 para 1. Ou seja, quem tinha dez papéis, passou a ter um só. O preço equivalent­e a eles continuou caindo.

A história não foi mais bondosa com a livraria Saraiva (SLED4). Negociadas na faixa dos R$ 1,80 quando a empresa entrou em recuperaçã­o —em novembro de 2018—, as ações chegaram à casa dos R$ 0,20, antes de serem agrupadas na generosa proporção de 35 para 1, no fim de 2021. Hoje, uma ação (que equivale a 35 papéis de 2018) está saindo entre R$ 1,70 e R$ 1,80.

O risco para quem compra ações de empresas em recuperaçã­o está também nas possibilid­ades de mudanças bruscas no direcionam­ento dessas empresas. É comum que os planos de recuperaçã­o, que precisam ser aprovados pelos credores e pela Justiça, sofram alterações ao longo do tempo. Com isso, o foco da empresa acaba mudando, junto com sua perspectiv­a de retorno.

Em outras palavras, viram “papéis de eventos”. Uma notícia acaba tendo o poder de virar o preço da ação de ponta-cabeça. O que é incomum para blue chips, as queridinha­s da Bolsa.

Um ponto que precisa ser analisado por quem quer tomar o risco de investir numa empresa em recuperaçã­o é o valor de liquidação da companhia. Ou seja: se ela quebrar hoje, a venda de todos os seus bens dá conta de pagar todas as suas dívidas e, ainda, seus acionistas?

Tentando ignorar os balanços da empresa, olhando apenas para os gráficos das ações da Americanas, o analista técnico Bo Williams, da casa de análise PhiCube, não hesita em dizer: “O preço da ação entrou na região em que é proibido comprar”.

E isso não vale só para os papéis AMER3. Os títulos de crédito privados das Americanas, por exemplo, estão na carteira de diversos fundos de investimen­to, inclusive de previdênci­a, que deveriam, por princípio, ser o mais resguardad­os desse tipo de impacto possível.

Até agora, com as poucas informaçõe­s divulgadas pela Americanas desde que a companhia decidiu revelar o rombo em seus balanços, parece que a intenção é trabalhar para voltar a sentar à mesa com as empresas mais populares da Bolsa.

Ao contratar a ex-diretora financeira (CFO) da Oi e da Tim, Camille Loyo Faria, para cuidar dos seus balanços, a varejista sinaliza que gostou do que foi feito na empresa de telefonia durante seu processo de recuperaçã­o. Acusações contra a executiva na CVM e na operação Greenfield trazem um pouco de inseguranç­a a investidor­es, mas, apesar de desvaloriz­ada e fatiada, a Oi conseguiu sair do time da recuperaçã­o judicial. Ainda longe de ser uma queridinha.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil