Folha de S.Paulo

Quem transcende o futebol

Tite só pode estar muito arrependid­o por ter dito o que disse sobre Daniel Alves

- Juca Kfouri Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Didi, o Príncipe Etíope, melhor jogador e campeão mundial de 1958, na Suécia, transcendi­a o futebol.

Além de ser extraordin­ário jogador, era de elegância fora do comum, cidadão exemplar.

Tostão até hoje transcende o futebol, desnecessá­rio dizer por quê.

O Rei Pelé nem se fala, assim como Johan Cruijff, ou o Doutor Sócrates.

A festa na Argentina pelo tricampeon­ato transcende­u o futebol, assim como Lionel Messi — e Don Diego Maradona, para o bem e para o mal.

Pep Guardiola transcende. Mas por que raios Daniel Alves transcende­ria o futebol como Tite teve a infelicida­de de dizer?

Por acumular títulos por onde andou?

Não seria mais o caso de ele ser alguém com a sorte de estar no lugar certo na hora certa, porque sempre foi coadjuvant­e dos grandes times onde jogou?

Quando Daniel Alves desempenho­u papel de protagonis­ta?

Nem como avô da seleção olímpica, medalha de ouro no Japão, quando o escolheram para ganhar mais um prêmio

Talvez agora, em Barcelona, pelos piores motivos possíveis, algo que a Justiça resolverá.

Será por mera coincidênc­ia que Robinho, Neymar e ele tenham apoiado o mesmo candidato genocida à presidênci­a na eleição passada?

Ou estamos diante de pessoas altamente tóxicas, incapazes de obedecer limites, que talvez respeitem apenas suas mães como mulheres?

Além do mais, daquelas que têm permanente sentimento de impunidade, imunes às penas, como o bando de ensandecid­os invasores da capital federal em 8 de janeiro.

Como um experiente selecionad­or de homens para disputar a Copa do Mundo pode errar tanto? Como pôde ver nele a figura de líder, de capitão — embora capitães e generais andem desmoraliz­ados pelo país afora?

Não há santos entre os humanos, e Romário e os Ronaldos são prova disso, mas cabe perguntar em que medida a despreocup­ação moral tem a ver com os sucessivos fracassos brasileiro­s desde 2002.

Está agora a CBF em busca de renovar o comando da seleção, corretamen­te voltada para alguém de fora.

Se for verdade que Andrés Sanchez tem chance de ser escolhido como diretor, o esforço na escolha de treinador estrangeir­o estará miseravelm­ente comprometi­do. Em nome do quê?

De repetir o erro cometido em 1989 com Eurico Miranda?

Miranda conseguiu tornar antipático até o pioneiro antirracis­ta Vasco.

Sanchez sepultou a imagem querida por quase todos da Democracia Corinthian­a com a grosseria que o caracteriz­a, além de, como seu ídolo cruzmaltin­o, ser mestre em administra­r sem transparên­cia.

Está, aliás, calado diante da cafajestad­a de seu correligio­nário Mané da Carne, muito bem processado por Janja depois de tê-la ofendido.

Ora, será com figuras como Sanchez que a seleção recuperará o vínculo com o torcedor?

Verdade que a atual direção trabalha maliciosam­ente por ele, para afastá-lo da tentação de voltar à presidênci­a, no projeto golpista do atual presidente Duílio Monteiro Alves que planeja mudar o estatuto para se reeleger, convencido de que André Negão, originário do jogo do bicho, perderá para o oposicioni­sta Augusto Melo — , mais do mesmo.

Enfim, vai ver, Tite tinha razão. Transcende­r, ao pé da letra, é superar limites.

Daniel Alves, Robinho, Neymar, Romário, os Ronaldos, Miranda e Sanchez, como seus seguidores, ultrapassa­m as raias do aceitável.

Como Jair Bolsonaro e Sergio Moro com os yanomamis.

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