‘Rush!’, novo disco do Måneskin, vende uma dissidência controlada
Terceiro álbum da banda italiana prioriza inglês em 17 faixas que provocam muito pouco
São Paulo A banda italiana Måneskin lançou seu terceiro álbum, “Rush!”, na sextafeira. É o primeiro desde que eles alcançaram o pódio internacional. Conhecido por desafiar o conceito de gênero e pudor sexual, o grupo até dialoga com estes temas no novo disco, mas a aposta parece um pasquim do álbum que poderia ter sido entregue.
Esteticamente, o Måneskin desafia costumes dos ambientes em que transita. O cantor Damiano David entoou “Supermodel” vestindo um fio dental que expunha suas nádegas ao mundo nos palcos do VMA, o Video Music Awards da MTV, em agosto passado.
Victoria de Angelis, a baixista, tem aparecido nos palcos e nas redes sociais com os seios quase à mostra. Apesar de nudez não ser novidade na cultura pop, há algo de desafiador na forma como os integrantes a oferecem, com forte teor andrógino e queer.
O grupo ganhou os ouvidos do mundo depois de sair vencedor do concurso musical Eurovision no ano retrasado.
Seus integrantes formaram a banda ainda na escola e começaram a chamar atenção em 2017, quando participaram do The X Factor italiano e lançaram o EP “Chosen”.
Entre os covers estava “Beggin”, que reviveu a música de 1967 e ainda é uma das faixas mais ouvidas da banda.
Em 2018, quando lançou seu primeiro disco, “Il Ballo della Vita”, o grupo já tinha ganhado visibilidade na Europa e aberto um show da banda Imagine Dragons em Milão.
Depois do álbum, em que predominava o idioma italiano, Måneskin fez sua primeira turnê pela Europa.
“Teatro d’Ira”, segundo disco da banda, lançado em 2021, também dava preferência à língua românica e trouxe várias das faixas mais conhecidas. “I Wanna Be Your Slave”
[ O disco é divertido e tem faixas chiclete. Mas música, especialmente rock e punk, além de entretenimento, é política. ‘Rush!’ puxa as barreiras da sociedade, mas nunca até a ruptura
e “Zitti e Buoni” estiveram entre as músicas mais ouvidas da época e marcaram a dualidade de idioma da banda.
O grupo ganhou mais e mais destaque nas paradas musicais e foi impulsionado pelas redes sociais, especialmente pelo TikTok, em que trechos das músicas deram origem a séries de vídeos virais.
Enquanto as aparições da banda têm sido cada vez mais provocativas, o que Måneskin entregou em “Rush!” deixa a desejar. Nas 17 faixas, a banda flerta com sonoridades diferentes, por vezes trazendo coisas novas, mas por vezes soando redundante.
Em vez de mostrar que a banda veio para trazer um rock contundente e desafiador, o disco acaba caindo num discurso confortável.
Não é que ele não entretenha. É divertido, interessante e cheio de faixas com potencial chiclete. Mas música —especialmente rock e punk—, além de entretenimento, é política. “Rush!” parece dissidência controlada, puxando as barreiras da sociedade, mas nunca até a ruptura.
Faixas mais combativas, como “Gossip”, que ataca o delírio do sonho americano, e “Gasoline”, sobre a Guerra da Ucrânia, não falam mais do que o senso comum que ao menos o público mais jovem e liberal já prega normalmente.
Musicalmente, várias faixas brincam com sonoridades inéditas para a banda italiana, mas saturadas em outros pops à la rock mainstream.
As duas apostas punks do álbum estão entre as faixas mais curiosas, mas não entregam o mesmo resultado. “Bla Bla Bla” soa jocosa, mas não alcança seu potencial. Já “Kool Kids”, simples como é, entrega o que faltou na anterior.
O álbum tem apenas três faixas em italiano, em um aceno ao público global. Apesar de ser agradável poder entender e cantar as faixas com mais facilidade, as consoantes latinas fazem falta. Traziam uma dramaticidade que casava perfeitamente com o rock e que diferenciava a banda de tantas outras do gênero.
“La Fine”, uma das músicas lançadas antes do disco, se presta a refletir sobre a vida pós-fama dos membros da banda, que ganharam o mundo quando mal tinham se acostumado a ter 20 anos.
“Mark Chapman”, que leva o nome do assassino de John Lennon, e “Il Dono della Vita” também são boas e ajudam a matar a saudade dos dois álbuns anteriores.
O aspecto sedutor fica por conta de “Mamammia”, que sucedeu “I Wanna Be Your Slave” como rock erótico e provocativo. Mesmo feita para ser hit, não soa genérica —e imprime a megalomania sadomasoquista que Damiano David ostenta no Instagram e nos palcos, mas que faz falta nas faixas.
“Supermodel” puxa um som mais festivo para contar sobre uma modelo em decadência que se alimenta de cocaína, corações partidos e rock ‘n’ roll. A letra lembra a de “Killer Queen”, apesar de mais óbvia.
As faixas para baixo do álbum variam em qualidade, mas cativam. “Timezone” fala sobre estar longe de quem se ama e não é especialmente marcante, mas deve servir para compor playlists tristes daqui para frente. O mesmo pode ser dito de “If Not for You”, uma balada melosa.
Encerrando o álbum, Damiano David abusa da garganta para compor o drama de “The Loneliest”, melhor das faixas tristes e que só pode ter sido feita para acompanhar quartas-feiras ou domingos chuvosos.
“Você vai ser a minha parte mais triste, a parte que nunca será minha”, canta. “Essa noite vai ser a mais solitária de todas”, com o fim do álbum a ressoar o luto de todos que já não têm quem se ama ao lado. Rush!