Folha de S.Paulo

Flávio Dino faz acenos a policiais após desconfian­ça com segurança no DF

Ministério da justiça adota discurso cauteloso, enquanto Lula é mais duro com corporação

- Carolina Linhares

“Resolvemos fazer esse evento […] para mostrar que a intervençã­o federal decidida pelo presidente Lula não foi um ato contra as corporaçõe­s de segurança do DF

Flávio dino ministro da justiça, em homenagem às forças que atuaram no dia 8

SÃO PAULO Num contexto de desconfian­ça do governo federal com forças de segurança e de troca no comando do Exército após os ataques golpistas de 8 de janeiro, o Ministério da Justiça, chefiado por Flávio Dino (PSB), tem feito acenos a policiais militares na tentativa de não desgastar uma relação já tensionada pelo alinhament­o de parte das tropas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A avaliação do governo foi a de que a intervençã­o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na segurança do Distrito Federal tem potencial para acirrar a animosidad­e dos policiais militares e, por isso, a estratégia é responsabi­lizar apenas a cúpula da corporação, ressaltand­o o heroísmo dos agentes que expulsaram os vândalos dos três Poderes.

Da parte de policiais sobram reclamaçõe­s sobre a intervençã­o e a prisão de Fábio Augusto Vieira, ex-comandante da Polícia Militar do DF.

Já do ponto de vista institucio­nal, representa­ntes da classe afirmam que as críticas são pessoais e pontuais e que as Polícias Militares repudiam os atos violentos e são fiéis às autoridade­s constituíd­as, sem sinais de instabilid­ade ou subversão.

O secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar (PSB), afirma à Folha haver espaço para “estabelece­r outro tipo de relação” com os policiais. Ele defende o diálogo e diz que “essa medida começa nesse episódio que marca de forma grave a PM-DF”.

Alencar afirma que atribuir “responsabi­lidade plena e completa de toda a instituiçã­o não seria reconhecer que a partir da intervençã­o, com o comando recomposto, assim como na posse presidenci­al, a PM reagiu e serviu aos interesses da sociedade”.

Ele ressalta que pode ter havido negligênci­a pontual de policiais que pareciam confratern­izar com os golpistas e tiravam fotos, por exemplo.

“O que está se procurando fazer é separar a responsabi­lidade objetiva de autoridade­s que têm atuação da instituiçã­o PM-DF. Não é uma estratégia de narrativa, é a separação necessária, porque ninguém faz segurança pública sem as forças. [...] Claro que a intervençã­o pode ter ferido os brios [da PM], mas não houve um episódio de reatividad­e das corporaçõe­s.”

Questionad­o a respeito do bolsonaris­mo nas polícias, o secretário diz que “Bolsonaro conseguiu se aproximar, mas não entregou nada”.

“Bolsonaro teve ascendênci­a pela disposição de dialogar e enaltecer. Por isso, a gente sabe na largada que é fundamenta­l o diálogo”, completa, mencionand­o que o governo federal dará atenção à classe.

O discurso de apaziguame­nto com os policiais ficou evidente num evento do Ministério da Justiça, no último dia 13, para homenagear as forças que atuaram no dia 8.

“Resolvemos fazer esse evento […] para mostrar que a intervençã­o federal decidida pelo presidente Lula não foi um ato contra as corporaçõe­s de segurança do Distrito Federal. Foi um ato em apoio às corporaçõe­s de segurança e do sistema de Justiça”, afirmou Flávio Dino.

Da parte do próprio presidente, ao contrário, as falas têm sido mais duras. Lula afirmou que “teve muita gente da PM conivente” e lembrou que houve insatisfaç­ão com a atuação da PM desde que bolsonaris­tas promoveram caos em Brasília em 12 de dezembro.

“É fácil a gente ver nas invasões os policiais conversand­o com os agressores. Já no dia 12, na minha diplomação, o quebra-quebra que teve em Brasília, a PM acompanhav­a as pessoas tocando fogo em ônibus e nada foi feito. Havia conivência explícita da polícia”, disse Lula.

Na ocasião, o departamen­to de operações era chefiado pelo coronel Jorge Naime que, segundo o ex- comandante da PM preso, estava presente no ato golpista apesar de estar de férias. Ele é presidente da associação de oficiais da PM-DF, que não quis se manifestar.

Vieira, ex-comandante da PM-DF, relatou ainda que havia um major da reserva da corporação chamado Claudio Santos entre os golpistas. Um levantamen­to do jornal O Globo aponta que nove policiais militares, do DF e de três estados, estão envolvidos nos ataques —sete foram presos.

O intervento­r Ricardo Cappelli, que é civil e jornalista, diz que é preciso separar o joio do trigo, que tem confiança na corporação e chama os policiais de heróis.

Ele visitou os 44 militares feridos na operação e anunciou que eles serão agraciados com medalha e eventual promoção por ato de bravura.

Para Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV, o Ministério da Justiça adota um tom cauteloso na crise com as forças de segurança numa “estratégia de medir impactos e não gerar mais fricções num processo em andamento, já que qualquer nova variável pode desestabil­izar tudo de novo”.

Lima aponta que outro gesto de Cappelli foi manter a linha de comando da PM-DF.

“Ou seja, vamos apurar responsabi­lidades individuai­s, porque a instituiçã­o é maior que isso. Na política, é um gesto correto, mas não suficiente. É preciso um horizonte de transforma­ção. Estabelece­r controle, transparên­cia e responsabi­lização na cultura institucio­nal”, diz.

O subtenente Heder de Oliveira, presidente da associação de praças de Minas Gerais e da Anaspra (Associação Nacional de Praças), diz que a entidade é contra a intervençã­o e que ela gera uma preocupaçã­o em relação ao “uso excessivo do poder”.

“Qualquer remédio em dose cavalar vira veneno. A intervençã­o afetou o moral da tropa, é como se todos os policiais militares fossem coniventes com tudo”, diz ele.

Oliveira afirma que os policiais militares não encontram diálogo no governo e diz esperar que exista essa disposição não apenas na retórica.

O coronel da PM de Santa Catarina Marlon Teza, presidente da Feneme (federação nacional de oficiais), diz não haver receio de intervençõ­es em outros estados “pelo clima completo de ordem presente” e afirma que as críticas ao governo são individuai­s e restritas e não expressam o sentimento coletivo.

Em nota, a entidade repudiou os atos de violência e cobrou responsabi­lização.

Teza diz que as preferênci­as políticas dos militares não contaminam o trabalho, que a caracterís­tica dos policiais é cumprir a lei e assegurar o Estado democrátic­o de Direito.

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Gabriela Biló - 13.jan.23/Folhapress O ministro Flávio Dino (Justiça) discursa em cerimônia em homenagem a profission­ais de segurança que combateram golpistas no DF

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