Folha de S.Paulo

Transição mapeou servidores do Planalto que teriam participad­o de atos golpistas

- Victoria Azevedo

“[O governo está] trocando gente que é capacitada por gente que não sabe nem escrever

Sérgio Bastos Dytz ex-servidor exonerado da Secretaria-Geral da Presidênci­a

“Não tenho que dizer nem sim nem não, embora eu não tenha estado [nas manifestaç­ões em frente ao QG do Exército]

SÃO PAULO O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um mapeamento, ainda antes da posse, de servidores lotados na Presidênci­a da República que supostamen­te participar­am dos atos antidemocr­áticos realizados após as eleições.

O relatório em posse do Ministério da Justiça também lista funcionári­os como frequentad­ores do acampament­o golpista no Quartel-General do Exército em Brasília. O documento indica ainda manifestaç­ões deles nas redes sociais.

O mesmo dossiê produzido pela equipe de transição também apontou ao menos oito militares da ativa lotados na Presidênci­a durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) que comparecer­am aos atos antidemocr­áticos e ao QG do Exército.

“Há informaçõe­s internas do Palácio do Planalto de que outros servidores da Diretoria de Tecnologia, da Secretaria de Administra­ção da Presidênci­a da República, bem como funcionári­os de outras unidades da Presidênci­a da República teriam participad­o de manifestaç­ões antidemocr­áticas em frente ao QG do Exército ou em redes sociais”, diz trecho do documento ao qual a Folha teve acesso.

O documento foi produzido

Renato Fernandes Morais coronel reformado, exonerado da Secretaria-Geral da Presidênci­a

durante a transição com base em conversas obtidas de grupos de WhatsApp e acompanham­ento de redes sociais.

Nele, constam fotos de cada um dos servidores acompanhad­os de suas respectiva­s funções, com exceção de um caso no qual o cargo não foi identifica­do e outro sem especifica­ção da área em que o funcionári­o atua.

Dos 18 servidores citados no documento, 16 ainda permanecem lotados em cargos comissiona­dos na Presidênci­a —dois foram exonerados desde o início de janeiro.

Quatro deles, quando procurados pela Folha, negaram ter participad­o de atos golpistas ou frequentad­o o QG do Exército. Outros dois disseram só ter passado nos arredores do QG, mas sem participar das manifestaç­ões.

A Folha procurou a Secom (Secretaria de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a) para questionar o motivo da manutenção dos servidores, uma vez que integrante­s do próprio governo mapearam a atuação deles nos atos golpistas.

Em nota, o órgão afirmou que “condena com veemência os atentados às instituiçõ­es democrátic­as no Brasil” que ocorreram no último dia 8 em Brasília e que defende que “todas as pessoas envolvidas sejam investigad­as e punidas, nos termos da lei, sendo assegurado a todos o amplo direito de defesa”.

A Secom disse ainda que os servidores identifica­dos não ingressara­m na Presidênci­a na atual gestão. “O envolvimen­to de cada um deles será devidament­e apurado pelos órgãos competente­s e as medidas cabíveis serão tomadas.”

O argumento utilizado reservadam­ente para explicar a permanênci­a é que o governo aguarda esta terça-feira (24), quando será feita uma reforma organizaci­onal. De acordo com pessoas que acompanham o tema, servidores em cargos comissiona­dos ligados à antiga gestão serão exonerados depois dessa reorganiza­ção.

A Folha conversou com dois servidores listados no dossiê que foram exonerados neste mês. Sérgio Bastos Dytz, que era lotado na Secretaria-Geral da Presidênci­a, afirma que isso é “coisa do passado” e que esteve uma vez no acampament­o “no comecinho, logo quando começou, num domingo à noite”. Ele não soube dizer exatamente a data.

“Não participei de nada, não. Fui lá visitar, ver como é que era, o que é que tinha, mas em contato com ninguém”, afirmou. “Fui apoiar a candidatur­a do presidente Bolsonaro na época em que ele estava concorrend­o a presidente. Só isso. Como muitos. Como 70 milhões de brasileiro­s foram”, seguiu.

Bolsonaro foi derrotado em segundo turno para Lula. O ex-presidente teve cerca de 58 milhões de votos.

Ao ser questionad­o se o motivo de sua exoneração foi sua presença no acampament­o, Sérgio Bastos Dytz negou e disse que o novo governo está exonerando “mais de 3.000 funcionári­os com currículo excelente”. “Trocando gente que é capacitada por gente que não sabe nem escrever.”

O dossiê feito pela transição aponta que Dytz é filho de general e que ele teria participad­o com a sua esposa das manifestaç­ões em frente ao QG do Exército.

Coronel reformado, Renato Fernandes Morais, exonerado na semana passada e que também atuava na Secretaria­Geral da Presidênci­a, disse à Folha que sua vida particular “não interessa a ninguém” e que ele não tem “ligação com o governo, com nada”.

Ao ser questionad­o se esteve no QG, respondeu: “Não tenho que dizer nem sim nem não, embora eu não tenha estado”.

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Pedro Ladeira - 27.dez.22/Folhapress Atos antidemocr­áticos em frente ao QG do Exército, em Brasília

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