Folha de S.Paulo

Luiz Estevão pede indulto com base em decreto de Bolsonaro

Texto de ex-presidente concede benefício mesmo a condenados por corrupção

- Ranier Bragon e Lucas Marchesini

BRASÍLIA O empresário e senador cassado Luiz Estevão solicitou o indulto de sua pena, tomando por base o decreto natalino que foi editado por Jair Bolsonaro (PL) dias antes de deixar a Presidênci­a da República, em dezembro passado.

O decreto de Bolsonaro incluiu dois artigos atípicos que foram usados por Estevão em sua solicitaçã­o.

Em 2016, o ex-senador do Distrito Federal começou a cumprir uma pena 26 anos de prisão à qual foi condenado pelo desvio de verbas públicas destinadas à construção do Fórum Trabalhist­a de São Paulo.

A Folha analisou os decretos de indulto editados ao longo dos últimos anos, além de ouvir estudiosos sobre o tema.

Na redação do indulto natalino de 2022, Bolsonaro contrariou a lógica que ele mesmo vinha adotando nos anos anteriores, quando o teor da medida de indulto era restritivo ao benefício e buscava privilegia­r quase sempre a classe militar e policial.

O texto de dezembro passado estabelece a concessão do indulto a presos acima de 70 anos que tenham cumprido ao menos um terço da pena, mesmo que a sua condenação tenha ocorrido por crimes de corrupção ativa e peculato.

Em 2016, Luiz Estevão, que atualmente está com 73 anos, viu negados todos os seus últimos recursos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e começou a cumprir a pena, em Brasília, por corrupção ativa, peculato e estelionat­o.

Em 2019, o empresário passou para o regime semiaberto e, em 2021, para o aberto, em prisão domiciliar.

Em linhas gerais, Bolsonaro aplicou nos decretos de 2019, 2020 e 2021, anos de seu governo anteriores à última edição do texto, uma redação relativame­nte condizente com seu discurso público punitivist­a em relação à segurança pública, reduzindo o alcance do indulto —exceção feita quase sempre a presos que fossem oriundos das forças policiais ou das Forças Armadas.

Em 2022, por exemplo, um dos pontos mais criticados do seu decreto foram artigos inéditos que concediam o perdão a todos os policiais militares que haviam sido condenados pelo massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, em São Paulo.

Entretanto, a pedido da PGR (Procurador­ia-Geral da República), a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, suspendeu, em caráter provisório, esses pontos.

O texto assinado ano passado por Bolsonaro e pelo então ministro da Justiça Anderson Torres também trouxe dois artigos que não existiam nos anteriores.

O artigo 4º estabelece que “será concedido o indulto natalino às pessoas maiores de 70 anos de idade, condenadas à pena privativa de liberdade, que tenham cumprido pelo menos um terço da pena”.

O documento determina, contudo, que não terão o benefício presos condenados por uma série de crimes, entre eles os de corrupção —essa trava que passou a ser usada nos indultos de Bolsonaro inicialmen­te por pressão do ex-juiz e então ministro da Justiça Sergio Moro, que ocupou de 2019 a 2020.

Ocorre que logo adiante no texto de 2022 há a ressalva de que para as pessoas acima de 70 anos a condenação por corrupção e peculato, entre outros crimes, não será impeditiva para a obtenção do indulto.

No caso de Estevão, que é proprietár­io do portal de notícias Metrópoles, ele cumpre os três requisitos para obter o perdão: tem mais de 70 anos de idade, suas condenaçõe­s não representa­m impeditivo e ele já cumpriu um terço da pena.

Em contato telefônico na quarta-feira (18), o advogado Marcelo Bessa, que representa Estevão, afirmou que não tinha ainda feito uma análise dos efeitos do indulto sobre o caso de seu cliente e que qualquer avaliação nesse sentido seria feita pelo Ministério Público e a Justiça do Distrito Federal.

A Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, porém, afirmou que a defesa do empresário e senador cassado se manifestou nos autos em 26 de dezembro, ou seja, quatro dias depois da edição da norma pelo governo, “pleiteando o deferiment­o do referido indulto, com fulcro no decreto presidenci­al nº 11.302 de 22 de dezembro de 2022”.

A Folha entrou novamente em contato com o advogado, que confirmou ter assinado a petição em parceria com outra advogada, mas reafirmou apenas que eventual análise sobre se Estevão cumpre os requisitos para o indulto será feita pelo Ministério Público e a Justiça.

De acordo com a Vara de Execuções, o Ministério Público manifestou-se no último dia 10 requerendo parecer do Conselho Penitenciá­rio, o que ainda não ocorreu.

A Folha não conseguiu falar com o ex-presidente Bolsonaro. Foram encaminhad­as perguntas para o advogado de Anderson Torres, mas não houve resposta. O ex-ministro está preso em decorrênci­a dos ataques golpistas que vandalizar­am os três Poderes em Brasília no último dia 8 de janeiro.

A reportagem também questionou o Ministério da Justiça sobre as razões técnicas para a inclusão dos artigos usados por Estevão, mas também não houve resposta.

Nas gestões anteriores a Bolsonaro, o indulto natalino para presos idosos era comum, mas com condiciona­ntes e mais restritivo­s a depender dos crimes cometidos, de acordo com especialis­tas ouvidos que pediram para não ter os nomes publicados.

O último indulto natalino de Bolsonaro também trouxe um artigo que perdoa crimes com menor poder ofensivo, de forma generaliza­da, ao prever que “será concedido indulto natalino às pessoas condenadas por crime cuja pena privativa de liberdade máxima em abstrato não seja superior a cinco anos”.

De acordo com especialis­tas isso abraça crimes como furto simples, estelionat­o, receptação e porte ilegal de armas de fogo.

O indulto —perdão da pena, ou “clemência”— significa que os condenados por esses crimes não vão precisar cumprir as punições pelas quais foram sentenciad­os, embora a condenação continue na ficha do réu.

Previstos tanto na Constituiç­ão quanto na legislação penal, eles geralmente são coletivos e beneficiam diversos condenados que cumpram requisitos objetivos, como tempo de prisão.

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Danilo Verpa - 27.set.14/Folhapress Luiz Estevão chega à Polícia Federal para responder a acusações

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