Folha de S.Paulo

Índia censura documentár­io da BBC sobre premiê Modi

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Governo usou leis de emergência para barrar série classifica­da de ‘propaganda’

são paulo A Índia censurou um documentár­io da rede britânica BBC que questiona o papel do hoje primeiro-ministro Narendra Modi nos distúrbios de Gujarat em 2002. Compartilh­ar trechos em redes sociais também foi proibido.

A primeira das duas partes de “Índia: A Questão Modi” foi lançada em 17 de janeiro e aborda o início da vida política do premiê. Ele era governador do estado de Gujarat, no oeste da Índia, quando tumultos entre comunidade­s locais deixaram mais de mil mortos — em sua maioria, muçulmanos.

A violência começou após um trem com peregrinos hindus ser incendiado, matando 59 pessoas. Organizaçõ­es de direitos humanos estimam que o número de mortos nos distúrbios foi pelo menos o dobro do contabiliz­ado oficialmen­te. À época, a condução do episódio foi criticada por nações ocidentais, e Modi foi posteriorm­ente questionad­o por uma suposta cumplicida­de com a violência.

De acordo com o documentár­io da BBC, consta em um documento do Ministério de Relações Exteriores do Reino Unido que Modi pediu à polícia para não intervir em agressões contra grupos muçulmanos. “A campanha sistemátic­a de violência tem todas as caracterís­ticas de uma limpeza étnica”, diz o papel.

De acordo com o ministro indiano de Informação e Radiodifus­ão, Kanchan Gupta, em post no Twitter no sábado (21), o governo usou leis de emergência para censurar o documentár­io. A BBC ainda não havia lançado a produção no país, mas o vídeo estava disponível em alguns canais no YouTube. As normas, em vigor desde 2021, permitem o bloqueio de informação em caso de emergência.

O governo determinou que o Twitter banisse mais de 50 posts com links para a série, e o YouTube foi instruído a bloquear publicaçõe­s com o vídeo. As plataforma­s, segundo Gupta, cumpriram as ordens.

Modi nega as acusações de que se omitiu. Em 2012, uma equipe indicada pela Suprema Corte para apurar o papel do então governador na violência

“O viés, a falta de objetivida­de e a contínua mentalidad­e colonial são visíveis. Esse filme ou documentár­io é um reflexo da agência e dos indivíduos que estão vendendo essa narrativa novamente Arindam Bagchi porta-voz da chancelari­a indiana

chegou à conclusão, em um relatório de 541 páginas, que não há evidências para processar o atual primeiro-ministro. No ano seguinte, Modi foi escolhido candidato a premiê de seu partido, o nacionalis­ta hindu Bharatiya Janata. Ele venceu as eleições de 2014 e 2019.

Na semana passada, o portavoz do Ministério das Relações Exteriores, Arindam Bagchi, classifico­u o documentár­io da BBC de uma “peça de propaganda” criada para promover uma “narrativa mentirosa”.

“O viés, a falta de objetivida­de e a contínua mentalidad­e colonial são visíveis. Esse filme ou documentár­io é um reflexo da agência e dos indivíduos que estão vendendo essa narrativa novamente”.

Mais de 300 ex-juízes, veteranos e burocratas indianos fizeram uma declaração contra o documentár­io. A série, afirmam, é uma “acusação visivelmen­te motivada contra nosso líder, um compatriot­a indiano e um patriota”. “Outra vez o preconceit­o implacável da BBC contra a Índia ressurgiu na forma de um documentár­io”, diz o grupo.

Segundo o jornal britânico

The Guardian, a BBC afirmou que o tema da produção foi “rigorosame­nte pesquisado de acordo com os mais altos padrões editoriais”. Na última quinta (19), o parlamenta­r trabalhist­a britânico Imran Hussain perguntou ao primeiro-ministro Rishi Sunak se ele concordava com o documento que responsabi­lizava Modi pelos atos de violência. “É claro que não toleramos perseguiçã­o em lugar algum, mas não estou certo de que concordo totalmente com a caracteriz­ação que o senhor fez”, respondeu o político conservado­r.

A oposição na Índia reagiu. A parlamenta­rMahuaMoit­rapublicou­nodomingo(22)olinkdo documentár­io no Twitter e pediu aos seus seguidores para assistirem à série enquanto puderem. “Não fui eleita para representa­r a maior democracia no mundo para aceitar censura”, afirmou. “O que a BBC prova ou não cabe aos telespecta­dores decidir. Mas as raivosas ações de censura do governo da Índia são inaceitáve­is”, acrescento­u ela, em outra publicação, horas depois.

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