Folha de S.Paulo

Dieta saudável mais cara do mundo está na América Latina

131 milhões de pessoas na região e no Caribe não têm condições de manter alimentaçã­o nutritiva, afirma ONU

- Fernanda Mena

Manter uma alimentaçã­o saudável na América Latina e no Caribe é mais caro do que em qualquer outra parte do mundo. Enquanto o valor médio diário necessário para manter refeições equilibrad­as na região é de US$ 3,98 por pessoa (R$ 20,7), a média global é de US$ 3,54 (R$ 18,4), o que torna uma dieta nutritiva inacessíve­l para 131 milhões de pessoas.

No Brasil, o custo é de US$ 3,08 (cerca de R$ 16 diários), abaixo da média global, mas segue inatingíve­l para mais de 40 milhões de brasileiro­s, que não conseguem se alimentar de maneira adequada.

É o que aponta o Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutriciona­l na América Latina e no Caribe de 2022, um relatório da FAO (Organizaçã­o das Nações Unidas para Alimentaçã­o e Agricultur­a), lançado na semana passada.

De acordo com o documento, o custo mais elevado dos alimentos na região se deve ao aumento dos preços internacio­nais dos alimentos, ocorrido a partir de 2020 e exacerbado após o início da Guerra da Ucrânia, somado à inflação regional, ao aumento da pobreza e da desigualda­de e à redução de políticas públicas voltadas a pequenos agricultor­es e à agricultur­a familiar.

O indicador de custo diário de uma dieta adequada, desenvolvi­do pela FAO, identifica a alimentaçã­o saudável de menor custo disponível em cada localidade a partir de parâmetros de necessidad­e energética diária (2.330 calorias, no mínimo) de recomendaç­ões nutriciona­is de consumo de frutas, legumes, verduras, proteínas, gorduras e carboidrat­os.

Para determinar o acesso econômico a essa cesta de alimentos, medida pela porcentage­m e pelo número de pessoas incapazes de arcar com o custo de uma dieta saudável, a ONU compara seu custo com a distribuiç­ão de renda de cada país.

Uma dieta saudável é considerad­a inacessíve­l quando seu custo excede 52% da renda per capita em cada país.

“Estamos falando da região com a dieta saudável mais cara do mundo, o que afeta particular­mente as populações vulnerávei­s, como pequenos agricultor­es, mulheres rurais e populações indígenas e afrodescen­dentes, que alocam uma porcentage­m maior de sua renda para a compra de alimentos”, disse a diretora regional do Fida (Fundo Internacio­nal para o Desenvolvi­mento Agrícola), Rossana Polastri.

“Esse aumento de custo é desigual entre as subregiões e é puxado pelo Caribe por causa de sua dependênci­a da importação de frutas, verduras, legumes e proteínas essenciais para uma alimentaçã­o saudável e que vem sofrendo o impacto do aumento do preço do petróleo desde 2019”, explica Maya Takagi, diretora de programas para a América Latina e o Caribe da FAO.

Ainda que América Latina e Caribe exportem 40% de sua produção de alimentos e represente­m 17% do total mundial de exportação do setor, o relatório aponta que a inseguranç­a alimentar moderada e severa (fome) aumentou na região, que concentra as maiores desigualda­des socioeconô­micas do planeta.

“A FAO já concluiu, desde os anos 1980, que a maior causa da inseguranç­a alimentar não é a falta de alimento disponível, mas a falta de renda da população para comprar esses alimentos”, afirma Takagi.

“A América Latina e o Caribe têm uma quantidade muito alta de pessoas pobres, sem renda. Quando aumenta a pobreza, aumentam a fome e a inseguranç­a alimentar.”

Essa dinâmica fez da prevalênci­a de inseguranç­a alimentar na região mais alta do que a média global. Em 2021, segundo o relatório, 40,6% da população da América Latina e Caribe sofria de inseguranç­a alimentar moderada ou grave (quando a pessoa passa fome), que afeta 29,3% da população do planeta.

O número de pessoas que convivem com inseguranç­a alimentar ou com a fome na região aumentou de 205,2 milhões em 2019 para 267,7 milhões em 2021. Na América do Sul, o aumento da fome foi mais acentuado, e o número de pessoas famintas triplicou desde 2014, de 22 milhões para 65,6 milhões.

Essas pessoas são, em sua maioria, mulheres. E a disparidad­e de gênero na região é mais acentuada do que no resto do mundo: 11,3 pontos percentuai­s ante 4,3 na média global. Essa discrepânc­ia, aponta o documento da ONU, evidencia a necessidad­e de inclusão de uma perspectiv­a de gênero nas políticas de investimen­to social que lidam com segurança alimentar e desnutriçã­o.

“O alto custo de uma dieta saudável leva as pessoas para uma dieta não saudável e que é, de forma contraintu­itiva, leva ao sobrepeso e à obesidade”, explica a médica sanitarist­a Ana Maria Segall, professora aposentada da Unicamp e pesquisado­ra da Rede Penssan, que produz estudos sobre segurança alimentar no Brasil.

“A falta de acesso a alimentos adequados leva à opção, como estratégia de sobrevivên­cia, do consumo de alimentos ultraproce­ssados, que são mais baratos, muito calóricos e pouco nutritivos”, diz. O relatório da FAO aponta que há um cresciment­o na América Latina e Caribe de sobrepeso em crianças e de obesidade em adultos. No Brasil, o percentual de adultos obesos cresceu de 14,5% em 2000 para 22,1% em 2016, aponta o documento.

“Essas condições levam a um processo de adoeciment­o, com o aumento de doenças crônicas e degenerati­vas, como hipertensã­o, diabetes e outras doenças cardiovasc­ulares que podem levar à morte”, afirma a médica. “Esse é um ciclo que se inicia com a fome, que é o ponto final da falta de acesso a alimentos.”

 ?? Fontes: FAO, Fundo Internacio­nal para o Desenvolvi­mento da Agricultur­a (IFAD), Unicef, Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP) e Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), 2022 ??
Fontes: FAO, Fundo Internacio­nal para o Desenvolvi­mento da Agricultur­a (IFAD), Unicef, Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP) e Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), 2022

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