Folha de S.Paulo

Governo Bolsonaro deu aval inédito para garimpo em Roraima

- João Gabriel

brASíliA As únicas duas lavras para exploração de garimpo concedidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) em Roraima foram autorizada­s durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —e ambas para pessoas ligadas à exploração ilegal de minério.

Fica no estado a maior parte do território Terra Indígena Yanomami, que segundo o Ministério Público Federal tem mais de 20 mil garimpeiro­s atuando de maneira irregular.

No sábado (21), o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou estado de emergência na saúde indígena do território, que deteriorou em grande parte pela atuação do garimpo.

Levantamen­to feito pela Folha com base no banco de dados da ANM mostra que, de quase 8.500 processos minerários para o estado, existem apenas duas permissões ativas para lavra garimpeira, a PLG. A autorizaçã­o de lavra garimpeira é a última etapa do processo e permite a exploração comercial da área.

Há quase 300 outros processos ativos de requisição de lavra garimpeira no estado sem permissão para exploração.

Uma da áreas autorizada­s estão no nome do bolsonaris­ta Rodrigo Cataratas, alvo de diversas operações da Polícia Federal, e de um grupo integrado por nomes ligados ao garimpo ilegal no Pará. Elas ficam a cerca de 30 quilômetro­s da Terra Indígena Yanomami.

Lavras regulares próximas a regiões de exploração ilegal são comumente utilizadas para esquentar o ouro extraído de forma irregular, como mostram investigaç­ões da Polícia Federal —o método consiste em registrar o minério como se tivesse saído do local permitido e depois vendê-lo.

Cataratas foi candidato a deputado federal no ano passado pelo PL, partido de Bolsonaro, e recebeu apoio do Movimento Garimpo É Legal, organizaçã­o que busca regulariza­r a atividade em áreas proibidas. Ele não foi eleito.

Também é investigad­o por suspeita de compra de votos e foi denunciado pelo Ministério Público Federal em Roraima como chefe do garimpo ilegal na terra Yanomami. Seu filho, Celso, chegou a ser preso, mas conseguiu o direito de responder em liberdade.

O grupo liderado por Cataratas é dono de empreendim­entos que receberam recursos do governo federal, principalm­ente para o transporte aéreo relacionad­o à saúde indígena, como a Folha revelou em setembro de 2021.

Duas de suas empresas receberam R$ 39,5 milhões da União desde 2014, sendo R$ 23,5 milhões no governo Bolsonaro. A sede da Cataratas em Boa Vista já foi alvo de ação de apreensão de helicópter­os.

Segundo investigaç­ão da Polícia Federal, a licença usada por ele foi emitida de forma irregular e tem “inconsistê­ncias graves” em seu processo.

Procurado pela reportagem, ele afirmou que sua licença ambiental, emitida pelo governo do estado de Roraima, foi suspensa recentemen­te e que não chegou a iniciar a exploração do local. “Estamos aguardando a revogação da suspensão para iniciar a exploração de fato”, disse.

O garimpo Cataratas na cidade de Amajari, em Roraima, teve solicitaçã­o feita em 2014 para uma área de cerca de 45 hectares a cerca de 25 km da área da Terra Indígena Yanomami.

A autorizaçã­o foi concedida apenas em outubro de 2019 para diamante e minério de ouro. Em 2022, ele ainda conseguiu adicionar a exploração de cassiterit­a à licença. O minério tem se tornado o protagonis­ta dos garimpos da região. Segundo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o garimpo é a principal causa da crise sanitária dos indígenas de Roraima.

Em outubro de 2022, o governo Bolsonaro autorizou a PLG de uma outra licença para lavra garimpeira —a segunda no estado— com pouco menos de 50 hectares de área e a pouco mais de 30 quilômetro­s da Terra Indígena Yanomami, na cidade de Caracaraí,

Rodrigo Cataratas proprietár­io de uma da áreas autorizada­s para garimpo

no rio Branco, que inclusive passa pela capital Boa Vista.

A tramitação deste procedimen­to foi mais rápida que o de Cataratas. O processo começou em maio de 2020 e recebeu a autorizaçã­o da ANM em agosto de 2022.

O titular da lavra é Nikolas Godoy, que tem empresas de pecuária em Mato Grosso do Sul, uma exportador­a de minérios e é sócio da Uniouro, cooperativ­a de garimpeiro­s que fica em Itaituba, no Pará.

O representa­nte legal da lavra é Guilherme Aggens, dono de duas consultori­as de mineração sediadas também no Pará. Ele é engenheiro florestal e nos últimos anos deu palestras defendendo o garimpo sustentáve­l e atuou no lobby pela legalizaçã­o da atividade em terras indígenas.

Durante o governo de Jair Bolsonaro, Aggens se encontrou com Onyx Lorenzoni, então ministro da Casa Civil, e com Ricardo Salles, titular do Meio Ambiente. A reportagem não conseguiu contato com os dois.

“Estamos aguardando a revogação da suspensão para iniciar a exploração de fato

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