Folha de S.Paulo

EUA indicam bariátrica e remédio para crianças obesas

Pediatras querem ações mais rápidas, mas não orientam intervençõ­es agressivas como primeiro passo

- Catherine Pearson Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

THE NEW YORK TIMEs A Academia Americana de Pediatria divulgou na semana passada novas orientaçõe­s sobre como avaliar e tratar crianças com sobrepeso ou obesidade. Um documento de 73 páginas diz que a obesidade não deve mais ser estigmatiz­ada como o resultado de escolhas pessoais, mas compreendi­da como uma doença complexa, com implicaçõe­s para a saúde em curto e longo prazo.

Com base nesse raciocínio, as diretrizes —a primeira atualizaçã­o do grupo em 15 anos — dizem que não há evidências em defesa da demora para tratar crianças com obesidade na esperança de que elas superem o problema.

Em vez da abordagem gradual recomendad­a no passado, pediatras e médicos de atenção primária devem adotar uma postura mais proativa, oferecendo encaminham­entos imediatos para programas intensivos de comportame­nto de saúde e estilo de vida, além de prescrever medicament­os para perda de peso ou aconselhar cirurgia em alguns casos.

“Mesmo em idades jovens, a obesidade pode ocorrer e muitas vezes não melhora sem tratamento”, diz Sarah Hampl, pediatra do hospital Children’s Mercy em Kansas City, no Missouri, e principal autora das diretrizes.

Aproximada­mente 1 em cada 5 crianças nos EUA entre 2 e 19 anos é afetada pela obesidade, o que significa que elas têm um IMC (índice de massa corporal), igual ou superior ao ao recomendad­o para sua idade e sexo com base nos gráficos de cresciment­o dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças do governo americano. A obesidade infantil também parece ter aumentado durante a pandemia de Covid-19.

Embora evidências crescentes sugiram que as pessoas podem ser saudáveis com qualquer peso se fizerem atividade física suficiente, a obesidade em crianças traz riscos imediatos e de longo prazo.

“Estamos vendo cada vez mais crianças diagnostic­adas com diabetes tipo 2, colesterol alto e pressão alta, e a obesidade é um forte fator de risco para essas condições, tanto na infância quanto na adolescênc­ia e, posteriorm­ente, na idade adulta”, diz Callie Brown, professora­assistente de pediatria na Escola de Medicina da Universida­de Wake Forest.

Os programas, que visam fornecer atendiment­o sem julgamento, geralmente são baseados em centros médicos acadêmicos, hospitais comunitári­os ou clínicas. Eles reúnem uma gama de especialis­tas, incluindo nutricioni­stas, fisiologis­tas do exercício e assistente­s sociais, que ensinam educação física, organizam demonstraç­ões de culinária e outros programas. A AAP recomenda que as crianças e suas famílias recebam pelo menos 26 horas de aconselham­ento presencial ao longo de três meses ou mais.

Os pediatras devem conversar com as famílias sobre medicament­os para perda de peso, além de intervençõ­es comportame­ntais para crianças a partir dos 12 anos, enquanto adolescent­es com obesidade grave devem ser avaliados para uma possível cirurgia para perda de peso.

As recomendaç­ões sobre medicament­os e cirurgias geraram muitas discussões nas redes sociais e um certo grau de controvérs­ia. Alguns especialis­tas em saúde do adolescent­e alertaram que tais intervençõ­es podem ser prejudicia­is, observando que o uso de medicament­os antiobesid­ade em crianças ainda é relativame­nte novo, enquanto a cirurgia requer um compromiss­o de longo prazo com requisitos nutriciona­is rigorosos.

“A cirurgia bariátrica é uma boa intervençã­o para alguns pacientes —os que têm complicaçõ­es médicas como diabetes tipo 2 ou doença hepática gordurosa não alcoólica, por exemplo”, pontua Katy Miller, diretora médica de medicina para adolescent­es do Children’s Minnesota. “Mas é uma cirurgia muito séria que traz impactos profundos para o resto da vida do paciente.”

Mona Amin, pediatra da Flórida, acredita que parte do “barulho” em torno de medicament­os e cirurgias decorre de um mal-entendido de que a AAP está promovendo essas intervençõ­es agressivas como primeiro passo.

“Na verdade, quando você lê tudo, eles estão tentando criar um plano multidisci­plinar para os médicos, para que tenham opções”, diz Amin. “Eles não estão defendendo cirurgia ou medicação como primeira opção.”

Em seus esforços para ser mais proativa e holística no tratamento da obesidade infantil, a AAP reconheceu o papel que os pediatras e outros prestadore­s de cuidados primários têm desempenha­do na promoção do viés de peso.

O grupo insta os pediatras a examinar e abordar suas próprias atitudes em relação às crianças com obesidade. Ele recomenda que os médicos usem a linguagem da “pessoa primeiro” (isto é, dizer “uma criança com obesidade” em vez de uma “criança obesa”) e que reconheçam a complexida­de da obesidade.

“Os médicos não estão imunes ao viés social de peso que prevalece em nossa cultura”, aponta Rebecca Puhl, professora e vice-diretora do Centro Rudd para Políticas de Alimentaçã­o e Saúde da Universida­de de Connecticu­t. “O viés de peso raramente, ou nunca, é abordado na faculdade de medicina.”

“Mesmo em idades jovens, a obesidade pode ocorrer e muitas vezes não melhora sem tratamento

Sarah Hampl

pediatra e principal autora das novas diretrizes

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