Moda tem looks sérios para a Europa em crise
Temporada de desfiles masculinos em Milão e Paris preza a sobriedade, e a Saint Laurent brinca com fluidez de gênero
são paulo Com uma possível recessão à vista na Europa e a Guerra da Ucrânia fazendo aniversário em breve, o cenário é duro e parece não haver muito espaço para brincadeiras. Um momento de tanta aspereza pede roupas mais sérias, segundo boa parte dos desfiles das semanas de moda masculina de Milão e Paris, que terminaram no domingo.
Nesta temporada de outono e inverno 2023, essas ideias se traduzem em guarda-roupas repletos de peças sóbrias e que podem ser usadas em várias ocasiões, numa paleta com azuis, cinzas, brancos e pretos, e silhuetas amplas, dando bastante movimento a todo o corpo.
Ao mesmo tempo, os longos casacos acinturados apresentados por várias marcas e também os homens de saia no desfile da Dior querem confundir o masculino e o feminino, trazendo para a costura de luxo a pauta da fluidez de gêneros.
A Gucci abriu a temporada em Milão com sua primeira coleção desde a saída de seu emblemático diretor criativo Alessandro Michele. A apresentação, desenhada pelo estúdio criativo da marca italiana, buscou inspiração no guarda-roupa masculino clássico, adicionando um toque de subversão.
Os modelos usavam casacos largos com ombreiras e saias longas, além de gorros de lã e bolsas a tiracolo retangulares.
Jeans desbotados e blusas de lantejoulas vieram combinadas com botas de salto. Apesar de algum brilho, era no geral uma seleção mais discreta, em contraste à era Michele, que fez as vendas da marca explodirem com o seu desenho estampado e lúdico.
Discrição marcou também o desfile da Prada, com os modelos vestindo calças de alfaiataria mais curtas no tornozelo, sobretudos longos e tote bags retangulares com garrafas de água aparecendo. Preto, azul, verde, cinza e branco —nenhuma cor grita no outono da marca, marcado por modelagem de linhas retas.
No desfile de Giorgio Armani, sutilmente inspirado pela arquitetura de Milão, o que se viu foi o corte preciso que define a moda italiana. Calças cargo de alfaiataria, casacos, bolsas e sapatos pretos, lãs e veludos cinzas texturizados apareceram na passarela do Palazzo Orsini, a sede da marca.
Em Paris, a maratona fashionista teve como ponto auge o desfile da Louis Vuitton, dada a expectativa em torno da direção criativa da marca desde a morte de Virgil Abloh. Ainda sem anunciar oficialmente o sucessor do designer, a etiqueta chamou o jovem nova-iorquino Colm Dillane, da marca KidSuper, para desenvolver a coleção mais recente.
A escolha é um indicativo de que a etiqueta segue caminhando na trilha iniciada por Abloh, o fundador da Off-White que morreu de câncer em 2021 depois de tornar a Louis
Vuitton, marca associada à tradição e à riqueza, desejável para quem curte street wear.
Os modelos desfilaram ao som da diva pop Rosalía, mostrando a estética infantil da KidSuper. Isso apareceu, por exemplo, num conjunto de blazer e calça de alfaiataria estampado com maçãs multicoloridas e nos rostos gigantes estampados em casacos. Uma explosão de cores e formas.
Quem também trouxe estamparia foi o designer belga Dries van Noten, levando para uma passarela de ares industriais suas peças com motivos e botânicos em modelagens amplas, como camisas e camisetas com mangas que, de tão longas, cobrem as mãos.
Segundo o estilista, a coleção é “a liberdade da autoexpressão da cultura das raves dos anos 1990 combinada com a beleza surreal da natureza”.
Não que Paris tenha sido o oposto de Milão. No desfile da Saint Laurent, por exemplo, predominou o preto, em looks monocromáticos de silhuetas longas e fluidas e cinturas estreitas, criando um diálogo do masculino com o feminino. Parte das peças envolvia o corpo, o pescoço e o rosto, com golas e capuzes avantajados, empréstimos da última coleção feminina da marca.
“Eu realmente quero que eles sejam quase uma pessoa”, disse o designer da Saint Laurent, Anthony Vaccarello. “Assim, as mulheres podem ser os homens, e os homens podem ser as mulheres. Nenhuma diferença. Sem distinção.”