Folha de S.Paulo

Pode chamar de genocida?

- Mariliz Pereira Jorge

Já pode chamar de genocida ou o que Jair Bolsonaro fez aos yanomamis não se encaixa nas definições da ONU, dos juristas e dos puristas da língua? As imagens da devastação daquele povo são chocantes demais para caber na descrição de crime de responsabi­lidade. Crime de responsabi­lidade é o governo pagar o lazer de Michelle Bolsonaro com os parças no resort, financiar motociata, conserto de jet ski. A omissão que levou ao abandono, à desnutriçã­o e à morte revelados não cabe outro nome que não genocídio.

Pelo dicionário, genocídio é a “destruição total ou parcial de um grupo étnico, de uma raça ou religião por meio de métodos cruéis”. Promover criminalid­ade, negar proteção, assistênci­a médica e acesso à água e comida não parecem crueldade? Em julho de 2022, a Corte Interameri­cana de Direitos Humanos cobrou o governo sobre a situação dos indígenas. Jamais teve resposta.

Ainda segundo as definições clássicas, genocídio é a “eliminação de povos com a prevenção de nascimento, desapareci­mento de crianças e condições subumanas de vida”. Confere. Confere. Confere. “Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado.” Quase 25 anos depois dessa fala, Bolsonaro deve estar satisfeito com o próprio feito.

Para quem gosta de conceitos: a palavra vem do grego “genos”, que significa tribo, mais “cide”, do latim, para matar. Foi criada em 1944, durante a Segunda Guerra, pelo advogado polonês Raphael Lemkin, para conceituar os horrores do Holocausto. Foi adotada pela ONU para definir crimes contra a humanidade.

Os quase 700 mil mortos pela Covid, dezenas de milhares pela negligênci­a do governo, não são suficiente­s para que Bolsonaro seja considerad­o genocida pelos especialis­tas —no máximo, incompeten­te ou indiferent­e. Temos indígenas mortos, abandonado­s, vulnerávei­s, definhando o suficiente para que genocida seja liberado para uso?

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