Folha de S.Paulo

TSE pode deixar Bolsonaro inelegível, mas prisão é difícil

Especialis­tas em direito afirmam que punição na esfera criminal e cível depende de provas que o liguem a ataques

- Géssica Brandino

São paulo Investigad­o pela Polícia Federal sob suspeita de autoria intelectua­l dos ataques golpistas de 8 de janeiro em Brasília, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) o principal risco de responsabi­lização até o momento.

Especialis­tas em direito ouvidos pela Folha dizem que o ex-presidente poderá responder nas esferas penal, cível e administra­tiva caso surjam provas de envolvimen­to direto no episódio.

Na esfera eleitoral, há 16 ações em tramitação contra Bolsonaro. A mais avançada foi apresentad­a pelo PDT após um encontro do então presidente com embaixador­es, em julho do ano passado, no qual ele atacou o sistema eleitoral.

A pedido da sigla, no dia 16 deste mês, o corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, incluiu no processo a minuta de um decreto para que Bolsonaro instaurass­e estado de defesa no TSE e revertesse o resultado das eleições.

A existência do documento, que foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, foi revelada pela Folha.

Gonçalves afirmou que há “inequívoca correlação entre os fatos e documentos novos” com a narrativa apresentad­a por Bolsonaro no encontro que motivou a ação.

De acordo com o ministro, a fala do então presidente “não mirava apenas os embaixador­es, pois estaria inserida na estratégia de campanha de “mobilizar suas bases” por meio de fatos sabidament­e falsos sobre o sistema de votação”.

Como mostrou a Folha, esse é o processo mais avançado contra Bolsonaro no tribunal e a tendência é que seja o primeiro a ser julgado.

Uma audiência de instrução com o depoimento do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que era ministro da Casa Civil, está prevista para o dia 8 de fevereiro. O ritmo de julgamento das ações é definido pelo corregedor e pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes.

Segundo aliados, ambos estão dispostos a acelerar a tramitação até junho, antes da aposentado­ria do ministro Ricardo Lewandowsk­i e da entrada de Kassio Nunes Marques, na corte eleitoral.

Caso o tribunal decida que houve abuso no episódio, Bolsonaro pode ficar inelegível por oito anos, o que significa que o ex-presidente não poderá se candidatar nas próximas eleições.

Para o coordenado­r-geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Público), o advogado Luiz Fernando Pereira, a inclusão da nova prova aumenta essa possibilid­ade.

O advogado eleitoral Aberto Rollo diverge. Para ele, a relevância do decreto para o processo é reduzida e prejudica o andamento da ação, por demandar mais investigaç­ão.

Rollo considera que Bolsonaro pode ficar inelegível a partir de outras ações. Ele cita os processos que tratam das lives no Palácio do Planalto durante a campanha e da liberação de benefícios financeiro­s no período eleitoral, o que pode caracteriz­ar compra de voto.

Advogado e professor de direito eleitoral e digital na Universida­de Mackenzie, Diogo Rais concorda que a minuta demandará novas provas, mas considera que diante da relevância do documento, foi acertada a decisão do ministro em incluí-la no processo.

Ele diz ainda que a ação já contém todos os elementos que podem levar à inelegibil­idade de Bolsonaro, como os vídeos demonstran­do a autoria das declaraçõe­s.

“Há um risco alto de Bolsonaro

ficar inelegível a partir das ações da Justiça Eleitoral, em especial em relação a essa da reunião com os embaixador­es já que a jurisprudê­ncia do TSE tem sido bastante dura em relação a ações do gênero. A minuta em si, acompanhad­a de outras provas, pode reforçar esse papel”, diz.

Para Pereira, a atuação do ministro Benedito Gonçalves tem sinalizado que as ações devem ser julgadas rapidament­e, como prevê a legislação eleitoral, ao contrário do que aconteceu com a chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), definido mais de dois anos e meio após o fim da eleição.

Na esfera penal, criminalis­tas afirmam que ainda não apareceram provas suficiente­s para prender ou condenar Bolsonaro pelos ataques.

Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), atendeu à requisição da PGR (Procurador­ia-Geral da República) e no dia 13 incluiu Bolsonaro como investigad­o por suspeita de incitar os atos. A solicitaçã­o foi feita após pedido de 80 integrante­s do Ministério Público Federal ao procurador-geral da República, Augusto Aras, por conta de um vídeo publicado —e posteriorm­ente apagado— por Bolsonaro no Facebook no dia 10 de janeiro em que um homem questionav­a a legitimida­de da eleição de Lula.

“Quando a remissa da tentativa de golpe era de que as urnas foram fraudadas e que o Lula não poderia ter sido candidato e vem o líder dessas pessoas no dia seguinte e diz: ‘Lula não foi eleito pelo povo’ é um sinalizado­r para que elas continuass­em fazendo o que estavam fazendo”, diz Davi Tangerino, professor de direito da Uerj (Universida­de do Estado do Rio de Janeiro)

A professora de direito penal da USP Helena Lobo afirma qu e o vídeo é um elemento para investigaç­ão, mas que tanto o contexto quanto a repercussã­o são fundamenta­is para a responsabi­lização.

Diogo Rais acrescenta que a responsabi­lidade sobre o conteúdo publicado é do dono do perfil, ainda que não tenha sido ele o autor da postagem. Exceções são casos de invasão de contas ou se provado que a postagem foi feita contra a vontade. Nessa situação, a responsabi­lidade poderia ser atenuada.

O professor da FGV Direito do Rio Wallace Corbo considerou o enquadrame­nto pedido pela PGR modesto diante dos indícios contra o ex-presidente, como a minuta encontrada na casa de Torres.

“Mais uma vez, a PGR tem uma conduta muito aquém do esperado, porque ao invés de investigar o presidente Jair Bolsonaro pelo eventual envolvimen­to nos atos, se limitou a investigar algo muito pontual, um pequeno recorte de um quadro muito maior envolvendo o ex-presidente”, diz.

A advogada Tatiana Stoco, professora de direito penal do Insper, pondera que o fato de Bolsonaro ter tido suas falas repetidas pelos apoiadores golpistas que atacaram os três Poderes não é suficiente para criminaliz­á-lo na esfera penal.

“Tudo que Bolsonaro já fez, embora dê essa sensação de que as pessoas estão se pautando nisso para agir, do ponto de vista criminal, não há muita saída para responsabi­lização.”

Até o final do mandato, havia no Supremo cinco procedimen­tos contra Bolsonaro, todos sob relatoria de Moraes, a quem cabe definir o destino dessas investigaç­ões após a perda de foro ao deixar a Presidênci­a. Bolsonaro não foi denunciado durante sua gestão, o que poderia ser feito apenas por Aras.

Eventuais provas do envolvimen­to de Bolsonaro nos ataques também gerar a responsabi­lização pelos prejuízos causados na esfera cível. Na administra­tiva, ele pode responder por improbidad­e se provado que ainda no cargo contribuiu para os atos, diz o professor de direito público da Faculdade de Direito da USP, Floriano Peixoto.

Nesse caso, ele aponta que casos de improbidad­e são de competênci­a da Justiça Federal de Brasília. Isso significa que promotores do Ministério Público Federal do Distrito Federal também podem abrir inquéritos para investigar se Bolsonaro cometeu tal irregulari­dade.

“Há um risco alto de Bolsonaro ficar inelegível a partir das ações da Justiça Eleitoral, em especial em relação a essa da reunião com os embaixador­es Diogo Rais advogado e professor de direito eleitoral e digital na Universida­de Mackenzie

“Tudo que Bolsonaro já fez, embora dê essa sensação de que as pessoas estão se pautando nisso para agir, do ponto de vista criminal, não há muita saída para responsabi­lização Tatiana Stoco advogada e professora de direito penal do Insper

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Pedro Ladeira - 11.jul.22/Folhapress O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) olha pela janela do Palácio do Planalto para a praça dos Três Poderes

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