Folha de S.Paulo

O sangue frio de Dino e Costa

Os dois ministros contiveram a crise do dia 8

- Elio Gaspari jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”. | qui. Conrado H. Mendes | dom. Elio Gaspari, Celso Rocha de Barros | seg. Angela Alonso, Camila Rocha | ter. Joel P. da Fonseca | qua

O repórter Guilherme Amado revelou detalhes dos acontecime­ntos do 8 de janeiro que justificam, com sobra, a troca do comandante do Exército, general Júlio César de Arruda. Mais que isso, revelam que o sangue frio dos ministros da Justiça, Flávio Dino, e Rui Costa, chefe da Casa Civil, livrou o país de uma crise inédita, pela qualidade de suas atitudes.

Aos fatos, pela narrativa de Amado: Na noite do dia 8, depois da invasão do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso, uma tropa da PM de Brasília dirigiu-se à área onde estavam acampadas pessoas que há semanas pediam um golpe de Estado. Muitos deles haviam participad­o das invasões, à tarde, e o objetivo era prendê-los, por ordem do ministro Alexandre de Moraes. O comandante militar do Planalto ordenou que os policiais fossem barrados, e a cena da barreira foi mostrada pelas televisões.

Pouco depois, o comandante do Exército reuniu-se com o intervento­r federal na Segurança de Brasília, Ricardo Cappelli, e com o coronel comandante da PM. Conversa dura, e nela o general Arruda teria dito: “O senhor sabe que a minha tropa é um pouco maior que a sua, né?”

Seguiu-se uma nova reunião, desta vez com a presença dos ministros José Múcio (Defesa), Rui Costa (Casa Civil) e Flávio Dino ( Justiça). Dino queria prender as pessoas que estavam no acampament­o e o general, além de não admitir as prisões, queria que ele devolvesse os ônibus que haviam transporta­do pessoas que invadiram os prédios da praça dos Três Poderes.

Conforme revelou a repórter Marina Dias, as vozes elevaram-se e os dois puseram-se de pé. Antes que o tempo pudesse fechar, “Rui Costa interveio e conduziu a conversa para uma conciliaçã­o. Ficou acordado que as prisões não seriam naquela hora, mas, sim, no dia seguinte de manhã”.

Nessa mesma noite, perguntado sobre o impasse, cujos detalhes cênicos não eram conhecidos, Flávio Dino deu uma resposta burocrátic­a, apaziguado­ra. Seu sangue frio evitou que a crise fosse contaminad­a pelas tintas apocalípti­cas que Jair Bolsonaro injetou nas relações políticas nacionais. No dia seguinte, foi feita a paz.

Desde o dia 7 de abril de 1831, quando o brigadeiro Francisco de Lima e Silva mostrou a d. Pedro 1º que seu reinado se acabara, nunca aconteceu coisa parecida. Na manhã do dia 15 de novembro de 1889, o marechal Floriano e o chefe do governo, Visconde de Ouro Preto, bateram boca. Pelas narrativas, enriquecer­am a boa literatura política.

Até os golpes precisam de uma etiqueta, e os brasileiro­s sempre a tiveram. Nunca se invadiram palácios nem se depredou o patrimônio.

As cenas ocorridas nos prédios da praça dos Três Poderes foram inéditas pelo vandalismo, pela vulgaridad­e e pelo despropósi­to. Guilherme Amado e Marina Dias mostraram que o clima de cervejaria estava também onde não se imaginava que estivesse.

Em tempo: Na noite de 2 de janeiro de 2021, quatro dias antes da invasão do Capitólio americano, o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto, viu os tuítes dos trumpistas e comentou: “Esse é o Evangelho do Führer”.

No dia 6, às 15h, Milley mandou a Guarda Nacional para o Capitólio. Às 19h45, o prédio estava retomado.

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