Folha de S.Paulo

Greve e taxa sobre gasolina desafiam Meloni

Primeira-ministra da Itália é criticada por condução de negociaçõe­s e vê primeiros arranhões em popularida­de

- Michele Oliveira

“Agora o governo tenta corrigir a rota. É só a enésima reviravolt­a de Meloni. As únicas certezas são os preços elevados, os inconvenie­ntes e as filas de espera para cidadãos e empresas

Giuseppe Conte ex-premiê italiano pelo Movimento 5 Estrelas, atualmente na oposição

Quatro meses após vencer as eleições parlamenta­res, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, enfrenta nesta semana uma greve nacional que, além de interrompe­r serviços que afetam diretament­e a população, pode ampliar os danos à sua popularida­de.

Postos de gasolina prometem fechar as bombas em todo o país por 48 horas, desde a noite desta terça-feira (24), em protesto contra o que consideram uma campanha de difamação por parte do governo, em meio ao aumento de preços dos combustíve­is.

O desencontr­o entre sindicatos desses estabeleci­mentos e a gestão Meloni começou logo após a virada do ano, como resultado da suspensão de um desconto no imposto sobre combustíve­is que vinha sendo aplicado desde março do ano passado.

Na ocasião, para responder à alta de preços acarretada principalm­ente pela Guerra da Ucrânia, o então premiê Mario Draghi determinou o corte temporário de € 0,25 por litro de gasolina e diesel. A medida foi prorrogada pela sucessora, eleita em setembro, até o fim de dezembro —ainda que com um desconto menor, de € 0,15 por litro. Em 1º de janeiro, deixou de ter validade.

Como resultado, o preço médio do litro da gasolina para o consumidor nas bombas de autosservi­ço, que foi de € 1,66 em dezembro, era de € 1,84 nesta segunda (23). Em tempos de alta generaliza­da no custo de vida, o aumento pesou em um país de quase 40 milhões de carros (para 60 milhões de habitantes), sem falar em motos e no efeito em serviços como entregas.

A justificat­iva do governo Meloni é que a medida, que custou mais de € 7 bilhões em 2022, não cabe no Orçamento deste ano e que o dinheiro será direcionad­o para outras iniciativa­s voltadas aos mais pobres. Ao se defender dos reajustes, porém, a primeira-ministra acusou os donos de postos de especulaçã­o ao subir os preços além do necessário.

Não só. Para coibir abusos, o governo lançou um decreto-lei, em vigor desde o dia 15, que impõe aos estabeleci­mentos a fixação de um cartaz nas bombas informando o preço médio regional de cada combustíve­l —para que os clientes possam comparar os valores. Quem não respeitar a determinaç­ão está sujeito a multas que podem chegar a € 6.000 e, eventualme­nte, à suspensão da atividade por até 90 dias.

A categoria, que acusa o governo e seus ministros de difamação, decidiu, então, pela greve, que afeta tanto bombas de autosservi­ço quanto postos com frentistas —percentuai­s mínimos de funcioname­nto devem ser cumpridos por lei. A paralisaçã­o começou às 19h (15h em Brasília) desta terça nas áreas urbanas e às 22h (18h) nas estradas. Ao longo do dia, filas para abastecer foram registrada­s em diversas cidades.

O Ministério das Empresas chegou a reunir os representa­ntes dos postos à tarde, para tentar demovê-los da greve, mas a tentativa fracassou.

O protesto promete ser o de maior impacto no cotidiano italiano desde que o governo tomou posse, em outubro. Em dezembro, sindicatos que representa­m ferroviári­os, funcionári­os de escolas e transporte público, entre outros, organizara­m paralisaçõ­es contra a Lei Orçamentár­ia então em elaboração, mas elas foram escalonada­s entre regiões e parar durar entre 4 e 24 horas.

“O governo, em vez de abrir uma discussão sobre os problemas reais do setor, continua a falar em ‘transparên­cia’ apenas para esconder suas responsabi­lidades e contaminar o debate, apontando a culpa na especulaçã­o dos postos, o que simplesmen­te não existe”, diz trecho de nota assinada pelos três sindicatos dos postos.

Nesta segunda (23), a primeira-ministra defendeu o decreto, chamando de “bom senso” a publicação do preço médio regional. “Não se volta atrás. O governo não imaginou essas medidas para apontar o dedo para toda a categoria, mas para reconhecer os honestos.”

A oposição criticou a condução das negociaçõe­s. “Agora o governo tenta corrigir a rota. É só a enésima reviravolt­a de Meloni. As únicas certezas são os preços elevados, os inconvenie­ntes e as filas de espera para cidadãos e empresas”, disse o ex-premiê Giuseppe Conte (Movimento 5 Estrelas) depois do fracasso das tratativa para impedir a greve.

Além do desgaste, o episódio expõe contradiçõ­es da líder de ultradirei­ta com o que ela dizia antes de chegar ao poder. Nos últimos dias, críticos resgataram nas redes sociais um vídeo de 2019 em que Meloni, então uma das principais vozes da oposição, prometia abolir o imposto progressiv­amente se chegasse ao poder. No programa de governo apresentad­o para as eleições de setembro, um dos pontos falava em redução das taxas sobre combustíve­is.

Pesquisas mostram que o caso já provoca arranhões na popularida­de de Meloni. Levantamen­to do instituto SWG realizado entre 18 e 20 de janeiro apontou que a aprovação do governo caiu, desde o meio de dezembro, de 43% para 37%.

Ao todo, 50% dos italianos dizem que o governo deveria manter o corte no imposto, mesmo que isso resultasse em aumento da dívida pública.

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