Folha de S.Paulo

Quanta inflação queremos?

Aumentar a meta não traria alívio significat­ivo às políticas fiscal e monetária

- Bernardo Guimarães Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

A meta de inflação deveria ser 3%? Melhor 4%? A questão é interessan­te, mas há muita confusão no debate.

Argumenta-se que uma meta menor implicaria taxas de juros maiores. O ponto parece decorrer simplesmen­te de o Banco Central precisar aumentar a taxa de juros para reduzir a inflação.

Entretanto, se estamos num regime com inflação corrente e esperada de 3%, os reajustes de preços, salários e contratos se pautarão por esse índice. Se a inflação corrente e a esperada fossem 5%, os reajustes seriam, tudo o mais constante, dois pontos percentuai­s maiores.

Assim, manter a inflação numa meta de 3% não requer juros maiores que manter a inflação numa meta de 5%. Baixar a inflação de 5% para 3% de fato tem um custo ( juros mais altos), mas esse custo é pago só uma vez, e a inflação baixa continua.

Fala-se que vários acadêmicos defendem metas em torno de 4% ao ano em países desenvolvi­dos. É verdade, mas por quê?

O motivo é que não podemos ter taxas de juros nominais negativas, pois ninguém vai comprar um título que rende -1% ao ano (melhor deixar o dinheiro parado). Como a taxa nominal mínima é zero, com inflação a 2%, a taxa de juros real (descontada a inflação) mínima é -2%. Com inflação a 4%, a taxa de juros real mínima seria -4%.

O custo de investir é dado pela taxa real de juros. Uma taxa mais negativa traria mais incentivos para investimen­tos. Em uma recessão, poderíamos querer taxas de juros reais muito baixas.

Mas quão importante é isso para o Brasil? Até hoje, nunca chegamos perto de juros zero. A mínima histórica da Selic é 2% ao ano (atingida em 2020).

Alguns defendem uma meta maior porque a situação fiscal está ruim. A meta maior ajudaria o governo a fechar a conta no azul.

O ponto é que a inflação funciona como um imposto. Com inflação de 3%, a nota de R$ 100 valerá em um ano algo como R$ 97. A diferença de R$ 3 pode ser vista como um imposto cobrado pelo Banco Central.

Há, porém, aproximada­mente R$ 400 bilhões em papel-moeda na economia. Se a inflação vai de 3% para 4%, o Banco Central arrecada mais R$ 4 bilhões por ano (mesmo assumindo que mais inflação não reduza a demanda por moeda). É pouca água no oceano dos ajustes fiscais pretendido­s, de centenas de bilhões de reais.

Críticos da meta mais alta argumentam que a inflação é um imposto que incide sobre os mais pobres. De fato, pobres guardam muito mais recursos em dinheiro que os ricos (como proporção da renda). Mas está faltando um pedaço nesse argumento.

Há R$ 2.000 em papel-moeda por pessoa. Quanto desse dinheiro deve estar com as famílias? Talvez boa parte desse montante esteja com setores da economia que normalment­e escapam da tributação —mais inflação taxaria esses agentes.

Para quem fica, em média, com R$ 1.000 em papel-moeda, 1% a mais de inflação gera uma perda anual de R$ 10. O imposto inflacioná­rio é regressivo, mas 1% a mais não afeta a sina de quem pouco tem.

Note que inflação maior também faz com que os depósitos à vista nos bancos (cerca de R$ 200 bilhões) passem a valer menos, então mais inflação gera uma maior transferên­cia de dinheiro aos bancos.

Por fim, inflação maior que a esperada reduz o valor da dívida nominal do governo, que hoje é cerca de R$ 1 trilhão. Assim, 1% a mais de inflação não antecipada resulta em R$ 10 bilhões para o governo. Contudo, inflação antecipada é incorporad­a no preço dos títulos prefixados e não tem efeito algum. Uma meta maior é, essencialm­ente, maior inflação antecipada.

Em suma, um aumento da meta para 4% tem efeito bem pequeno na situação fiscal e só traz algum alívio à política monetária a curto prazo.

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