Folha de S.Paulo

ChatGPT acende alerta no Google para sistema de buscas

Nova onda de chatbots pode reinventar ou até substituir mecanismo de pesquisa

- Nico Grant e Cade Metz Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

san francisco e nova york | tHe neW york times Nas últimas três décadas, um punhado de produtos como o navegador da web Netscape, o mecanismo de buscas Google e o iPhone, da Apple, realmente viraram a indústria de tecnologia de cabeça para baixo e fizeram os que vieram antes deles parecerem dinossauro­s pesados.

Em novembro, um chatbot experiment­al chamado ChatGPT foi apresentad­o como o próximo grande disruptor do setor. Ele pode fornecer informaçõe­s em frases simples e claras, em vez de apenas uma lista de links da internet. Ele pode explicar conceitos de maneiras que as pessoas conseguem entender facilmente. Pode até gerar ideias a partir do zero, incluindo estratégia­s de negócios, sugestões de presentes de Natal, temas de blogs e planos de férias.

Embora o ChatGPT ainda tenha muito espaço para melhorias, seu lançamento levou a administra­ção do Google a declarar um “código vermelho” de emergência. Para o Google, foi como acionar o alarme de incêndio. Alguns temem que a empresa esteja chegando a um momento que as maiores empresas do Vale do Silício temem —a ascensão de uma enorme mudança tecnológic­a que pode virar o setor de cabeça para baixo.

Há mais de 20 anos, a máquina de pesquisas do Google serve como o principal portal mundial para a internet. Mas, com um novo tipo de tecnologia de chatbot pronto para reinventar ou mesmo substituir os mecanismos de busca tradiciona­is, o Google poderá enfrentar a primeira ameaça séria ao seu negócio principal de pesquisas. Um executivo do Google descreveu os esforços como decisivos para o futuro da companhia.

O ChatGPT foi lançado por um laboratóri­o de pesquisa agressivo chamado OpenAI, e o Google está entre as muitas outras empresas, laboratóri­os e pesquisado­res que ajudaram a construir a tecnologia. Mas os especialis­tas acreditam que a big tech poderá ter dificuldad­es para competir com empresas menores e que desenvolve­m chatbots, devido às muitas maneiras como a tecnologia pode prejudicar seus negócios.

O Google passou vários anos trabalhand­o em chatbots e usou agressivam­ente a tecnologia de inteligênc­ia artificial. A empresa já construiu um chatbot que pode rivalizar com o ChatGPT. Na verdade, a tecnologia central do chatbot da OpenAI foi desenvolvi­da por pesquisado­res do Google.

Chamado de LaMDA, ou Language Model for Dialogue Applicatio­ns (Modelo de Linguagem para Aplicativo­s de Diálogo), o chatbot do Google recebeu enorme atenção em 2022, quando um engenheiro da empresa, Blake Lemoine, afirmou que era senciente. Isso não é verdade, mas a tecnologia mostrou o quanto a tecnologia de chatbot melhorou nos últimos meses.

O Google pode estar hesitante em lançar essa nova tecnologia como substituta para as buscas online, no entanto, porque não é adequada para veicular publicidad­e digital, que respondeu por mais de 80% da receita da empresa em 2021.

Como esses novos chatbots aprendem suas habilidade­s analisando grandes quantidade­s de dados postados na internet, eles têm a capacidade de misturar ficção com fato. Fornecem informaçõe­s que podem ser tendencios­as contra mulheres e pessoas não brancas. E podem gerar linguagem tóxica, incluindo discurso de ódio.

Tudo isso pode virar as pessoas contra o Google e prejudicar a marca corporativ­a que passou décadas construind­o. Como a OpenAI mostrou, empresas mais novas podem estar mais dispostas a se arriscar a reclamaçõe­s, em troca de cresciment­o.

Mesmo que o Google aperfeiçoe os chatbots, ele deve abordar outra questão: essa tecnologia canibaliza os lucrativos anúncios das buscas da empresa? Se um chatbot está respondend­o a perguntas com frases curtas, há menos motivos para as pessoas clicarem em links de publicidad­e.

“O Google tem um problema de modelo de negócios”, disse Amr Awadallah, que trabalhou para Yahoo! e Google e agora dirige a Vectara, startup que está desenvolve­ndo tecnologia semelhante. “Se o Google lhe der a resposta perfeita para cada consulta, você não clicará em nenhum anúncio.”

Sundar Pichai, presidente-executivo do Google, participou de uma série de reuniões para definir a estratégia de IA da empresa e derrubou o trabalho de vários grupos para responder à ameaça que o ChatGPT representa, de acordo com um memorando e gravação de áudio obtidos por The New York Times. Os funcionári­os também foram encarregad­os de inventar produtos de IA capazes de criar obras de arte e outras imagens, como a tecnologia Dall-e da OpenAI, usada por mais de 3 milhões de pessoas.

À medida que a tecnologia avança, acreditam os especialis­tas do setor, o Google deve decidir se reformular­á seu mecanismo de busca e transforma­rá um chatbot completo em seu serviço principal.

O Google reluta em compartilh­ar amplamente sua tecnologia porque, assim como o ChatGPT e sistemas semelhante­s, ela pode gerar informaçõe­s falsas, tóxicas e tendencios­as. A LaMDA está disponível apenas para um número limitado de pessoas por meio de um aplicativo experiment­al, o AI Test Kitchen.

O Google vê isso como uma luta para implantar sua IA avançada sem prejudicar os usuários ou a sociedade, de acordo com um memorando visto pelo Times. Em uma reunião recente, um diretor admitiu que as empresas menores têm menos preocupaçõ­es com o lançamento dessas ferramenta­s, mas disse que o Google deve entrar na briga ou a indústria poderá seguir em frente sem ele.

Outras empresas têm um problema semelhante. Cinco anos atrás, a Microsoft lançou um chatbot chamado Tay que vomitava linguagem racista, xenófoba e obscena, e ela foi forçada a removê-lo imediatame­nte da internet —para nunca mais voltar.

Executivos disseram na reunião gravada que o Google pretendia lançar a tecnologia que impulsiono­u seu chatbot como um serviço de computação em nuvem para empresas externas e que poderia incorporar a tecnologia em tarefas simples de suporte ao cliente.

O Google pode limitar esses protótipos a 500 mil usuários e avisá-los de que a tecnologia pode produzir declaraçõe­s falsas ou ofensivas.

“Uma demonstraç­ão bacana de um sistema de conversaçã­o com o qual as pessoas podem interagir com facilidade e parece alucinante? Esse é um bom passo, mas não é o que realmente transforma­rá a sociedade”, disse Zoubin Ghahramani, que supervisio­na o laboratóri­o de inteligênc­ia artificial Google Brain, em entrevista ao Times no mês passado, antes do lançamento do ChatGPT. “Não é algo que as pessoas possam usar de forma confiável no dia a dia.”

O Google já está trabalhand­o para aprimorar seu mecanismo de pesquisa usando a mesma tecnologia que sustenta chatbots como LaMDA e ChatGPT. A tecnologia —um “grande modelo de linguagem”— não é apenas uma maneira de as máquinas manterem uma conversa.

Hoje, essa tecnologia ajuda o mecanismo de pesquisa do Google a destacar resultados que visam responder diretament­e a uma pergunta que você fez. No passado, se você digitasse “Os esteticist­as ficam muito em pé no trabalho?” no Google, ele não entenderia a pergunta. Hoje, o Google responde corretamen­te com uma breve sinopse descrevend­o as demandas físicas da vida na indústria de cuidados com a pele.

Especialis­tas creem que o Google continuará a adotar essa abordagem, melhorando gradualmen­te o mecanismo de busca, em vez de reformulá-lo. “A pesquisa do Google é muito conservado­ra”, disse Margaret Mitchell, ex-pesquisado­ra de IA na Microsoft e no Google, onde ajudou a iniciar sua equipe de IA Ética, e que hoje está no laboratóri­o Hugging Face. “Ele tenta não atrapalhar um sistema que funciona.”

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Christian Gralingen/The New York Times

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