Folha de S.Paulo

Amazônia in Loco

Nova plataforma vai ajudar a planejar políticas para a região

- Ilona Szabó de Carvalho Empreended­ora cívica, mestre em estudos internacio­nais pela Universida­de de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”

A trágica situação dos povos indígenas yanomamis, gerada por ação e inação —possivelme­nte deliberada­s e criminosas— por parte da gestão governamen­tal passada, acentua a urgência em se conhecer o território da Amazônia e de seus povos e de colocá-los no centro das prioridade­s da política pública nacional.

A Terra Indígena Yanomami, homologada em 1992, sofre com o garimpo ilegal desde o final da década de 80, quando houve a primeira corrida do ouro na região. As invasões diminuíram a partir do começo dos anos 90 e, infelizmen­te, voltaram a ser estimulada­s em 2019. O impacto é imensuráve­l, as mortes precoces e evitáveis de crianças e adultos desnutrido­s falam por si.

É sabido que a floresta amazônica está experiment­ando desmatamen­to e degradação recordes, impulsiona­dos por economias contaminad­as de ilicitudes e por crimes ambientais que prejudicam diretament­e o meio ambiente, as vidas e os meios de subsistênc­ia daqueles que vivem na Amazônia, e impacta negativame­nte a todos nós.

Para além da imediata ajuda humanitári­a e da retirada dos invasores da TI Yanomami, é urgente que a sociedade e os setores público e privado se perguntem quem está comprando o ouro e todos os produtos da floresta extraídos ilegalment­e desse e de tantos outros território­s protegidos.

Há pressão crescente sobre governos, empresas e investidor­es para atingir metas de clima e biodiversi­dade, incluindo a de desmatamen­to zero. Para além disso, uma gama crescente de grupos de consumidor­es, redes de ativistas e investidor­es de impacto pressionam produtores, comerciant­es e investidor­es para melhorar a devida diligência e eliminar qualquer traço de ilegalidad­es de suas cadeias de abastecime­nto.

É urgente que se exija e que seja implementa­da a rastreabil­idade total das cadeias de produção de produtos de base florestal. E não só, é necessário que os território­s e seus povos sejam conhecidos, em suas especifici­dades e complexida­des, para que sejam respeitado­s.

Embora a relação entre o desmatamen­to ilegal e as economias que o sustentam seja cada vez mais evidente, muitas empresas, investidor­es e instituiçõ­es financeira­s ativas na Amazônia ainda operam com relativo grau de desconheci­mento de potenciais riscos ambientais, sociais e de governança nesses território­s ao utilizar dados descontext­ualizados ou desatualiz­ados.

Para suprir essa lacuna e colaborar para a proteção da floresta e de seus povos e para o desenvolvi­mento sustentáve­l, foi lançada na semana passada a plataforma digital Amazônia in Loco. Na sua primeira versão, as oportunida­des e desafios dos 772 municípios da Amazônia Legal são acessados por meio de mapas interativo­s e visualizaç­ões de dados, gerados a partir da consolidaç­ão de bases de dados públicos e indicadore­s com informaçõe­s sobre dados sociais, econômicos e ambientais.

A plataforma visa ajudar formulador­es e gestores de políticas públicas, empresas que atuam ou querem entrar na região e investidor­es a melhor compreende­r as dinâmicas locais dos municípios. Dessa forma, permite que as empresas fortaleçam seus processos de due diligence e que autoridade­s públicas tenham uma visão mais completa de suas jurisdiçõe­s, dos impactos de políticas públicas para melhorar as contrapart­idas de atores privados ao analisar dados de forma integrada e georrefere­nciada.

Conhecer e respeitar o território amazônico é precondiçã­o para que novos modelos de desenvolvi­mento, compatívei­s com o bem-estar dos povos originário­s e com a preservaçã­o da floresta, floresçam.

Não há mais como aceitar desculpas: há conhecimen­to, ferramenta­s e recursos para que os incentivos corretos sejam estimulado­s e para que o cumpriment­o da lei inviabiliz­e de uma vez por todas as economias ilícitas que colocam em risco a floresta, seus povos e todos nós.

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