Folha de S.Paulo

Ação de Brumadinho avança sob temor de uma reviravolt­a

Processo que apura responsabi­lidade por mortes passou para Justiça Federal

- Natália Cancian e Leonardo Augusto

belo Horizonte Passados quatro anos do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, que pertencia à Vale em Brumadinho (MG), bombeiros ainda fazem buscas por três vítimas desapareci­das, enquanto a ação que apura responsabi­lidades sobre o caso avança após idas e vindas na Justiça.

Na véspera dos quatro anos da tragédia, que matou 270 pessoas em 25 de janeiro de 2019, a Justiça Federal em Minas Gerais acatou denúncia do MPF (Ministério Público Federal) contra 16 executivos da Vale e da empresa de consultori­a Tüv Süd.

Com a decisão, os 16 executivos viram réus sob acusação de homicídio qualificad­o. Já as duas empresas responderã­o por crimes contra fauna, flora e poluição. A Vale e representa­ntes dos réus têm negado as acusações.

O desastre despejou 9,7 milhões de metros cúbicos de lama em poucos segundos sobre terminais de carga, um refeitório e outras estruturas onde estavam funcionári­os da Vale e terceiriza­dos. De lá, o tsunami carregado de rejeitos de mineração atingiu ainda uma pousada, áreas de vegetação e animais e o rio Paraopeba.

Entre as vítimas estavam duas mulheres grávidas, o que leva famílias a contabiliz­ar 272 mortos.

Em 2020, 16 pessoas foram denunciada­s pelo Ministério Público sob acusação de homicídio doloso duplamente qualificad­o e crimes ambientais devido ao rompimento da barragem. A lista inclui executivos e funcionári­os da Vale, como o ex-presidente Fabio Schvartsma­n, e membros da consultori­a alemã Tüv Süd, contratada para analisar a estabilida­de da estrutura.

O processo vive um embate jurídico sobre a quem cabe a competênci­a de julgar o caso. Membros da defesa de Schvartsma­n e de um ex-engenheiro da Vale passaram a contestar a competênci­a da Justiça estadual. O argumento é que a tragédia envolveria possíveis danos a sítios arqueológi­cos e interesses da União.

Após parecer favorável no STJ (Superior Tribunal de Justiça) à ida do caso para a Justiça Federal, a discussão seguiu para o STF (Supremo Tribunal Federal), onde a decisão anterior foi revista pelo ministro Edson Fachin.

O entendimen­to foi então alterado novamente em dezembro de 2022, após novo recurso da defesa ser julgado pela Segunda Turma do STF.

Na ocasião, três dos quatro ministros presentes apontaram que a omissão de informaçõe­s sobre a situação da barragem feriu diretament­e o interesse da ANM (Agência Nacional de Mineração). Fachin manteve a posição anterior, alegando que o prejuízo seria indireto diante dos outros crimes apurados, mas foi voto vencido.

O Ministério Público aguarda a análise de um requerimen­to para levar a discussão ao plenário da Corte, o que traria uma posição definitiva sobre a competênci­a.

Na segunda (23), o Ministério Público Federal ratificou integralme­nte a denúncia feita em 2020 e enviou o caso à 2ª Vara Criminal Federal de Belo Horizonte. O objetivo é evitar o risco de prescrição de alguns crimes ambientais com a anulação da denúncia na Justiça estadual.

Atualmente, o Código Penal fala em quatro anos para a prescrição ocorrer nos casos de pena menor que dois anos —prazo que, na prática, terminaria nesta quarta (25).

A denúncia já foi aceita pela Justiça Federal. “As mesmas pessoas e empresas foram denunciada­s pelo MPF. Então, concluímos que as investigaç­ões foram bem-sucedidas por parte da Polícia Civil”, afirmou o delegado Luiz Otávio Paulon, um dos encarregad­os das apurações.

Para Maria Regina da Silva, 58, diretora da Avabrum, o impasse sobre quem deve julgar o caso é “absurdo”. Até então, o grupo defendia que o julgamento ocorresse em Brumadinho.

“É um crime que aconteceu aqui [em Minas]”, diz ela, que perdeu a filha, Priscila Ellen, de 29 anos. “Poderiam ter dado férias aos funcionári­os, mas pagaram para ver.” Ela questiona a demora no processo, cujas investigaç­ões prévias apontaram que a barragem apresentav­a situação crítica pelo menos desde 2017. A Vale também é acusada de ocultar informaçõe­s sobre a segurança da estrutura com apoio da Tüv Süd, por meio da emissão de declaraçõe­s falsas de estabilida­de da barragem.

Ambas as empresas e representa­ntes dos réus têm negado as acusações.

“Poderiam ter dado férias aos funcionári­os, mas pagaram para ver Maria Regina da Silva mãe de Priscila Ellen, que morreu na tragédia

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