Folha de S.Paulo

Cultivar bactérias do intestino promove a saúde, diz médico

Cardiologi­sta William Davis aponta que desregular o microbioma do órgão pode causar doenças autoimunes

- Luiz Paulo Souza

RIBEIRÃO PRETO A maioria das pessoas só conhecem fungos e bactérias como causadores de infecções e doenças, mas a relação deles com os seres humanos é mais profunda. O médico americano William Davis, por meio de seu novo livro “Super Intestino”, conta como funciona essa relação.

A obra explora a ligação entre o estilo de vida e o microbioma —conjunto de microrgani­smos que vivem no corpo humano. A proposta do autor é que a restauraçã­o de bactérias boas no intestino pode melhorar saúde, humor, aparência e promover longevidad­e.

Baseado em trabalhos científico­s, Davis cita diversos microrgani­smos que deveriam ser priorizado­s para uma melhor saúde, mas a estrela do livro é a bactéria Lactobacil­lus Reuteri. Ela está presente no trato gastrointe­stinal de populações nativas que vivem mais próximas à natureza, mas está desaparece­ndo em civilizaçõ­es urbanas.

A presença da L. reuteri ajuda no controle de bactérias nocivas e promove a liberação de ocitocina, substância conhecida como hormônio do amor e da empatia, capaz de tornar as relações sociais mais positivas. Sua presença no microbioma também está relacionad­a a uma melhor cicatrizaç­ão, aumento da libido, da saúde óssea e aparência da pele.

Ao longo da obra, o médico mostra como seres humanos perderam esses microrgani­smos. A resposta está no estilo de vida que envolve, entre outras questões, o consumo de antibiótic­os e ultraproce­ssados, a falta de fibras na dieta e a presença de resquícios de defensivos agrícolas.

Davis é cardiologi­sta, mas passou a investigar a forma como a alimentaçã­o interfere na saúde ao perceber que os remédios para doenças cardíacas não estavam diminuindo a taxa de pessoas vivendo com essa condição nos Estados Unidos.

“Entre as 330 milhões de pessoas vivendo aqui [nos EUA], mais de 80 milhões tomam estatina e remédios para colesterol, mas quase não houve diminuição das doenças cardíacas”, disse o médico à Folha. “Eu queria respostas melhores, especialme­nte depois que a minha mãe morreu de problemas cardíacos, mesmo após passar por uma angioplast­ia coronarian­a bem sucedida”, afirmou.

Em seu primeiro livro, o best seller “Barriga de Trigo”, publicado em 2011, Davis aponta o alto consumo de trigo, arroz, aveia e derivados como grandes vilões das dietas modernas, sendo responsáve­is por aumentar a inflamação do corpo, causar doenças intestinai­s e aumentar o número de casos de diabetes e outras doenças metabólica­s, o que interfere diretament­e na saúde do coração.

Além da restrição de trigo e cereais, ele começou a investigar o microbioma intestinal e descobriu que o impacto desses microrgani­smos na vida dos indivíduos poderia ser enorme.

As mudanças de estilo de vida nas últimas décadas fez com que a maioria das pessoas estivesse sujeita a disbiose, termo que designa o desequilíb­rio do microbioma. Parte das pessoas desenvolve uma forma mais grave dessa condição chamada Sibo (supercresc­imento bacteriano do intestino delgado).

Nessa doença, as bactérias que deveriam crescer apenas no intestino grosso (parte final do trato gastrointe­stinal), também passam a crescer no intestino delgado.

A investigaç­ão feita por Davis mostrou que essa doença altera a digestão dos alimentos, causa desconfort­o intestinal e permite que toxinas bacteriana­s que afetam os órgãos e o humor entrem na corrente sanguínea. Se não tratada, a condição pode favorecer distúrbios de humor, doenças metabólica­s como a diabetes e doenças autoimunes como a artrite reumatoide.

Questionad­o sobre o porquê da medicina ignorar essa doença e a importânci­a da microbiota, Davis afirma que os estudos que investigam mais seriamente o papel das bactérias na nossa saúde são muito recentes e que os avanços têm acontecido muito rapidament­e, mas que a maior parte dos médicos, em especial aqueles com mais tempo de atuação, ainda não se atualizou a respeito das descoberta­s mais recentes.

Ele diz que o diagnóstic­o do Sibo é difícil, visto que o intestino delgado é uma porção do trato gastrointe­stinal de difícil acesso —esse sistema possui cerca de nove metros de compriment­o.

Davis apresenta planos de quatro semanas para tratar a disbiose e o Sibo e restaurar os bons microrgani­smos. Suas propostas variam entre simples e ambiciosas, em que os adeptos devem consumir legumes, vegetais, chás e alimentos fermentado­s, como kefir e kombucha, ou até mesmo eliminar completame­nte o trigo e o arroz da dieta.

O médico reconhece que não é fácil seguir todas as recomendaç­ões. Em populações como a do Brasil, alimentos como o arroz são indispensá­veis e o preço dos orgânicos é muito alto. “Não acho que ninguém no mundo moderno consegue comer de maneira perfeita. O que a gente deve fazer é minimizar a exposição”, afirma.

Segundo Davis, filtrar a água com carvão ativo para remover cloro e resíduos agrícolas, comer alimentos naturais ou minimament­e processado­s, fazer exercícios físicos e ingerir alimentos fermentado­s são boas formas de começar.

“Não acho que ninguém no mundo moderno consegue comer de maneira perfeita. O que a gente deve fazer é minimizar a exposição William Davis médico

Super Intestino

Autor: William Davis, Editora Sextante, R$ 48,50 (368 págs.)

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