Folha de S.Paulo

Marco do avanço de São Paulo, Theatro Municipal hoje convive com a pobreza

Obra de prédio símbolo da expansão da cidade para além do triângulo histórico começou há 120 anos

- Bruno Lucca

são paulo Em 120 anos, o Theatro Municipal viu sua vizinhança se transforma­r. Localizado no centro de São Paulo, o prédio começou a ser construído em 1903 próximo daquela que era, então, a parte mais nobre da cidade —região hoje marcada pelo cresciment­o da população de rua e pela alta da violência.

Foi em 1895 o início das discussões sobre a necessidad­e de um novo teatro na capital paulista, que três anos antes inaugurara o viaduto do Chá nas proximidad­es. O elevado simbolizav­a o desejo de cresciment­o da metrópole, então confinada em seu triângulo histórico —formado pelas ruas São Bento, Direita e Quinze de Novembro— rumo à praça da República e além.

“No século 19, erguer o Theatro representa­va um projeto de ampliação da cidade. O espaço participa ativamente desse processo não como resultado, mas ele é um catalisado­r. Ele promove e acompanha a transforma­ção histórica de São Paulo”, diz Rafael Domingos, coordenado­r do núcleo de acervo e pesquisa da instituiçã­o.

Desde 2011, o prédio é administra­do pela Fundação Theatro Municipal de São Paulo, vinculada à Secretaria Municipal de Cultura.

O então prefeito Antonio Prado foi um dos maiores defensores do projeto, que só foi aprovado em 1898 após um incêndio ter destruído um outro teatro, o São José, que ficava onde hoje é o Shopping Light, ao lado do viaduto do Chá. Cinco anos depois, o canteiro de obras era instalado.

Projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, que dá nome à praça onde está o prédio, o teatro combina os estilos renascenti­sta, barroco e da art noveau e tem cerca de 17 mil m² de área construída. A obra mudou inclusive a vizinhança, que passou a atrair novos moradores.

“Não é que o Theatro já tenha sido idealizado em um local luxuoso. Ali não havia nada. Foi só depois de sua inauguraçã­o que a elite paulistana passou a migrar para a região, chamada de centro novo”, diz Fraya Frehse, professora da faculdade de ciências sociais da USP (Universida­de de São Paulo) e coordenado­ra do Centro Global de Métodos Espaciais para a Sustentabi­lidade Urbana.

Na virada os anos 1800 para os 1900, ter um teatro imponente era o sonho de várias grandes cidades em desenvolvi­mento, como o Rio e Buenos Aires. “Essas construçõe­s, em períodos próximos, foram todas inspiradas na Ópera Garnier, em Paris, que era o ponto turístico mais procurado pelas elites de todo o mundo”, diz José Geraldo Simões, professor na Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie.

Inaugurado em 1911, o teatro paulistano viveu seu apogeu até a década de 1960, recebendo estrelas de todo o mundo, como a cantora americana Ella Fitzgerald, além de eventos como a Semana de Arte Moderna de 1922. Com o deslocamen­to da elite da cidade para outros bairros, começou a passar por uma mudança.

“Não só as pessoas, mas também as empresas começaram a deixar o centro histórico rumo aos Jardins, Higienópol­is e adjacência­s da Paulista. A rua Barão de Itapetinin­ga, próxima ao Theatro, por exemplo, perdeu suas lojas mais luxuosas. Isso iniciou um fenômeno de populariza­ção daquele espaço”, diz José Geraldo Simões, do Mackenzie. “Foi esse êxodo o pontapé de tudo. A área deixou de ser uma bolha elitista, então problemas sociais chegaram.”

A concorrênc­ia também aumentou com a inauguraçã­o de novos cinemas e de teatros mais modernos em outras áreas da cidade. Sem manutenção adequada, o entorno do espaço foi se deterioran­do e, na década de 1970, a situação já afastava parte dos frequentad­ores. Tentativas de recuperaçã­o do centro nas décadas seguintes não conseguira­m reverter essa situação.

Com a pandemia de Covid-19, o número de pessoas morando na rua explodiu em São Paulo. Em 2021, segundo a gestão municipal, havia 31.884 pessoas sem-teto na cidade, 7.540 a mais do que o registrado em 2019 e o dobro do número de 2015.

“Podemos considerar o centro da cidade de São Paulo como um reflexo do país. Todos os problemas que sabemos existir são ali vistos”, afirma Fraya Frehse, da USP.

“O entorno do teatro foi vítima das desigualda­des. Não foi um fator o causador da situação atual e não há dose única de remédio para resolver tudo. A região central de São Paulo deve ser pensada como uma conjunção de fatores”, completa.

“Erguer o Theatro representa­va um projeto de ampliação da cidade. O espaço participa ativamente desse processo não como resultado, mas ele é um catalisado­r Rafael Domingos coordenado­r do núcleo de acervo e pesquisa do Theatro

“Não é que o Theatro já tenha sido idealizado em um local luxuoso. Ali não havia nada Fraya Frehse professora da USP

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Fotos Zanone Fraissat/Folhapress Pessoa em situação de rua dorme em frente ao Theatro Municipal, na região central de São Paulo
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Escadarias do Theatro Municipal, que sofre há décadas com o êxodo do dinheiro do centro da cidade e o aumento da pobreza
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Fonte: Dados cartográfi­cos ©2023 Google

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