Folha de S.Paulo

Livro traz paisagens do Brasil colonial do viajante Thomas Ender

- Gustavo Zeitel

sÃo pAULo Eis que, em 1817, dom Pedro de Alcântara, herdeiro real do trono de Portugal e do Brasil, anuncia seu casamento com Leopoldina, arquiduque­sa austríaca. Aos Habsburgo era preciso, pois, conhecer a afamada terra brasilis, de exuberante­s fauna e flora.

Para tanto, aqui chegou toda uma expedição de pesquisado­res em ciências naturais, time que o austríaco Thomas Ender integrava como pintor. No Brasil, ele pintou mais de mil telas em 323 dias. Sua obra está reunida em “Ender e o Brasil: Obra Completa”, trabalho minucioso do historiado­r Julio Bandeira, agora nas livrarias pela editora Capivara.

“Ender queria retratar o Brasil como um fotógrafo”, afirma Bandeira. “Seu objetivo era buscar o realismo na paisagem urbana e natural, numa época em que a pintura histórica era muito mais valorizada.”

Na visão do historiado­r, outros três pintores integram a elite visual que documentou o Brasil, da Colônia ao Império. Os franceses Jean-Baptiste Debret e Nicolas AntoineTau­nay, o alemão Johann Moritz Rugendas e o próprio Ender, cada um com estilo bem distinto, entre todos os seus colegas de ofício na época.

“A paisagem de Taunay nunca foi de fato brasileira”, conta Bandeira. “Embora muito bonita, parecia que ele tinha medo de encarar a natureza do país.” Debret, que integrou a Missão Artística Francesa, se interessav­a mais pelas figuras, documentan­do o cotidiano das pessoas. Tinha também um estilo mais clássico, segundo o historiado­r.

Em contraste, Rugendas retratou o Brasil sob uma perspectiv­a romântica, enquanto Ender se notabilizo­u pela reprodução cristalina da paisagem, caracterís­tica que salta aos olhos na documentaç­ão botânica realizada. De acordo com Bandeira, os artistas viajantes —Taunay, Debret, Ender, Rugendas— nutriam uma visão bem moderna, a de que o meio ambiente jamais pode ser dissociado da cultura local.

Ender nasceu numa família humilde em 1793. Sua sorte foi ter recebido, em 1817, o Grande Prêmio de Pintura, na categoria paisagem, obra que seria adquirida pelo príncipe de Metternich. Desde então, o monarca se tornou seu patrocinad­or e a carreira do artista deslanchou. Ender viajou até a sua morte em 1875.

Além do registro botânico, “Ender e o Brasil” traz panoramas do Outeiro da Glória, no Rio de Janeiro, cada um com uma luz diferente dos dias.

No interior das casas, as mulheres retratadas por ele aparecem apartadas dos homens, quase num regime segregacio­nista. Para os escravizad­os, a marginaliz­ação era irrestrita.

“Os negros escravizad­os que enlouqueci­am vagavam descamisad­os nas ruas”, afirma Bandeira, o historiado­r. “É muito triste perceber que essa realidade não mudou no Brasil.”

Ender e o Brasil: Obra Completa

Organizaçã­o: Julio Bandeira. Ed.: Capivara. R$ 195 (128 págs)

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