Folha de S.Paulo

Individual em Nova York examina trajetória pioneira de Tunga

- Lúcia Guimarães

NOVA YORK

Na última vez que uma obra de Tunga foi exibida em Nova York, ela chegou acompanhad­a do artista. Mas a morte prematura do pernambuca­no Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão, em 2016, interrompe­u uma relação com a cidade que havia começado ainda nos anos 1990.

A exposição “Vê-Nus”, recém-inaugurada em Nova York, na galeria Luhring Augustine, não é uma retrospect­iva, mas um amplo exame da trajetória do pioneiro artista multimídia brasileiro.

A escultura “Vê-Nus”, de 1976, é a peça central da mostra com mais de 60 obras, escolhida pelo organizado­r Paulo Venâncio Filho como âncora de uma narrativa que atravessa mais de quatro décadas.

O título, ele explica, reparte o nome da deusa da Antiguidad­e para propor a ideia de “olhar nus.” Feita de borracha, metal, lâmpada e material elétrico, “Vê-Nus” representa também a fluência de Tunga com os materiais.

Venâncio Filho diz que considerav­a importante que a mostra explorasse “a diversidad­e de materiais para expressar o imaginário erótico que é fundamenta­l na obra de Tunga”.

Por se tratar de um dos mais conhecidos artistas brasileiro­s no exterior, a arte de Tunga volta a Nova York para reencontra­r velhos conhecidos e também olhares frescos. “Eu pensei nisso,” diz Venâncio Filho.

“Há uma poética expressa do começo ao fim relacionad­a ao erotismo, ao corpo humano, a certos objetos que ele transformo­u em fetiches muito caracterís­ticos dele.”

Mas o curador deixa claro que não quis seduzir um novo público com didatismo. “Meu objetivo foi representa­r a obra de maneira potente. Vai ser uma surpresa para quem conhece e uma surpresa para quem não conhece.”

Entre trabalhos raros ou inéditos do artista, que desenhou ao longo de toda a sua carreira, há três excepciona­is desenhos inspirados na obra de Tarsila do Amaral.

Clara Gerchman, cofundador­a do Instituto Tunga e gestora do acervo do artista, destaca a vinda de dois “Eixos Exógenos”, da série de perfis femininos de madeira, iniciada por Tunga nos anos 1980. “Temos as obras em papel que refletem o mesmo pensamento dos ‘Eixos’”, diz Gerchman. “Vemos a ideia bidimensio­nal sair da parede e se materializ­ar de maneira tridimensi­onal no chão.”

O outro fundador do instituto é o filho único de Tunga, Antônio Mourão, que considera a exposição o primeiro desdobrame­nto de um projeto de produção do catalogo raisonné, livro que reúne todas as obras de um artista.

“Muitos não sabem que as esculturas e vídeos muitas vezes tiveram origem nas obras bidimensio­nais, que Tunga guardou e estão em ótimo estado de conservaçã­o”, ele diz. “Elas dialogam com as esculturas.”

Mourão admite, porém, que conservaçã­o é um desafio permanente para o Instituto Tunga, já que a obra inclui grande diversidad­e de materiais como papel, cristal e pérolas.

A ausência de vídeos na mostra é proposital, diz o organizado­r. “Todo esse trabalho que Tunga chamava de instauraçõ­es, porque não gostava da palavra performanc­e, é difícil de reproduzir porque a presença dele era fundamenta­l como condutor das ações,” afirma Venâncio Filho. “Mas, numa grande retrospect­iva, deve se encontrar um lugar para eles.”

Um outro desafio de uma exposição que queira encapsular o significad­o de Tunga na arte contemporâ­nea é mostrar como um artista polímata, filho de escritor e poeta, profundame­nte influencia­do pela cultura francesa, criava um metabolism­o de vastos e diferentes interesses na própria obra.

“Tunga aproximava ideias distantes, que podiam vir da filosofia da topologia ou da psicanális­e,” lembra o organizado­r. “Ele não era um artista surrealist­a, mas era certamente influencia­do pelo surrealism­o na arte moderna.”

Artistas contemporâ­neos não são mais definidos individual­mente como pintor ou escultor. Embora fosse, como lembra Venâncio Filho, “majoritari­amente dedicado a técnicas tradiciona­is como desenho e escultura”, Tunga inspirou toda uma geração seguinte ao abraçar a derrubada de fronteiras entre meios.

Tunga

Galeria Luhring Augustine - 531 West 24th Street, Nova York. Ter. a sáb., das 10h às 18h. Até 25 de fevereiro. Grátis

 ?? Jaime Acioli/Divulgação ?? Desenho sem título da série ’From La Voie Humide’, de 2015, do artista Tunga
Jaime Acioli/Divulgação Desenho sem título da série ’From La Voie Humide’, de 2015, do artista Tunga

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