Folha de S.Paulo

Bobo da corte

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

Durante a campanha eleitoral, Lula referiu-se a Bolsonaro como um “bobo da corte”. “Acabou o presidenci­alismo. Bolsonaro não manda nada, é refém do Congresso”. Na primeira reunião ministeria­l do governo, reconheceu o risco de tornar-se um: “nós não mandamos no Congresso, nós dependemos dele”. Decorridos cinco meses, já vemos os sinais que o risco está se materializ­ando.

Era previsível: trata-se de um presidente hiperminor­itário cujo partido detém 13% da Câmara e que conta com um apoio leal de meros 130 deputados (1/4 da Câmara). Essa configuraç­ão já existiu no passado. Mas muita coisa mudou: a economia, estressada; o Legislativ­o, muito mais centraliza­do (legado da pandemia e de Bolsonaro), muito menos fragmentad­o, e com muito mais recursos; o país virando à direita.

Sim, as derrotas do governo foram muito além do esperado. Não se trata de batalhas perdidas em iniciativa­s pontuais: a sina da MP da reorganiza­ção do Executivo atinge a própria capacidade do governo de definir a estrutura ministeria­l e nela distribuir competênci­as. É o núcleo duro da estratégia do Executivo na montagem da coalizão governativ­a. O malogro aqui é inédito no presidenci­alismo brasileiro. E surpreende porque começou com um bônus inesperado (o 8 de janeiro).

A forma do Executivo acomodar uma maioria congressua­l com preferênci­as distintas envolve antes de tudo a partilha do gabinete.

Por isso Lula criou 17 pastas novas. A reorganiza­ção é uma forma de acomodar inúmeros interesses. É por isso que em países hiperfragm­entados os ministério­s chegam a mais de 70, como já discuti aqui na coluna.

A estratégia global do governo é nova. Marcada por uma espécie de hiperdeleg­ação no plano doméstico, ele subestimou enormement­e as dificuldad­es potenciais. No plano externo, os frutos mais fáceis de colher, o malogro virou vexame.

Na intersecçã­o dos dois planos, o meio ambiente é crítico. O símbolo do fracasso.

Há dois cenários polares nas relações Executivo-Legislativ­o. O primeiro é ilustrado pelo cesarismo do presidente colombiano, Gustavo Petro, que, em resposta à derrota de sua reforma sanitária, destituiu titulares dos ministério­s e ameaçou: “a tentativa de restringir as reformas pode levar à revolução. O que é preciso é que o povo esteja mobilizado”.

Chamemos de pesadelo de Juan Linz (1926-2013): a crise de legitimida­de dual quando um presidente minoritári­o unilateral­mente tenta impor a sua agenda ao Congresso. O segundo, seria um presidente que navega os mares da governabil­idade em modelo pleno de partilha de poder, caracterís­tico de frentes amplas.

Entre um e outro há um continuum de possibilid­ades intermediá­rias. Todos complicado­s.

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João Montanaro

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