Folha de S.Paulo

Derrotas da Lava Jato se estendem à política com Moro isolado e caso Deltan

Depois de diversos reveses no Judiciário, ambos se mudaram para a arena eleitoral, mas seguem com dificuldad­e de impor seus projetos

- Matheus Teixeira e José Marques

Brasília A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de cassar o mandato de deputado de Deltan Dallagnol (Podemos-PR) é um capítulo a mais na série de derrotas impostas à Lava Jato nos últimos anos.

A operação, que inicialmen­te contou com amplo respaldo do STF (Supremo Tribunal Federal) e da opinião pública, acumulou diversos reveses tanto judiciais quanto políticos a partir de 2018, quando o então juiz Sergio Moro deixou a magistratu­ra e aceitou se tornar ministro do governo Jair Bolsonaro.

No campo jurídico, uma série de decisões do Supremo determinou a revisão de métodos da Lava Jato, o que que levou à anulação de investigaç­ões que eram centrais para o sucesso das apurações.

Uma das primeiras a impor uma extensa derrota à Lava Jato, que à época havia estendido suas ramificaçõ­es para diversos estados, foi a de definir em março de 2019 que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigad­os junto com caixa dois, deveriam ser processado­s na Justiça Eleitoral, e não na Federal.

A decisão desidratou as principais colaboraçõ­es premiadas fechadas pela Lava Jato, sobretudo a da Odebrecht, que era chamada de “delação do fim do mundo”.

A lentidão no envio de ações e investigaç­ões criminais para a Justiça Eleitoral, associada à falta de estrutura do órgão para o julgamento de processos complexos, beneficiou políticos que foram alvo de operações por suspeita de irregulari­dades que envolviam crimes comuns e eleitorais.

Ainda em 2019, o Supremo decidiu que uma pessoa só pode começar a cumprir pena após o trânsito em julgado do processo (quando não cabem mais recursos, e a ação é finalizada). Desde 2016, a corte considerav­a que um condenado podia ser preso —salvo as hipóteses de prisão cautelar— após decisão de segunda instância.

Essa decisão levou o hoje presidente Lula (PT), à época sem mandato, à liberdade. Ele foi solto após 580 dias preso na sede da Superinten­dência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba. Em discurso minutos após sair, o petista fez um discurso de forte ataque à Lava Jato e a setores do Judiciário.

Após as derrotas nos tribunais e a saída de Moro, Deltan, que coordenava as investigaç­ões no MPF (Ministério Público Federal), deixou seu cargo para se arriscar na política.

No novo campo de atuação, já como ministro da Justiça, Moro viu o pacote que elaborou para endurecer leis penais ser esvaziado pelo Congresso com o apoio do próprio governo Bolsonaro.

Ao final, sofreu outro revés ao entrar em conflito com Bolsonaro e se ver obrigado a pedir demissão do ministério em abril de 2020, menos de um ano e meio após ter assumido o posto.

Depois, tentou fazer uma carreira descolada de Bolsonaro, aumentou o tom das críticas ao ex-presidente, mas não teve sucesso na estratégia.

Decidiu, então, recuar. Desistiu da disputa para presidente em 2022 e acabou se lançando a uma vaga no Senado pelo Paraná em um tom ameno em relação a Bolsonaro no primeiro turno. Foi eleito e, no segundo turno, anunciou apoio aberto ao ex-chefe.

Paralelame­nte a isso, Bolsonaro decidiu indicar um PGR (Procurador-Geral da República) que era um feroz crítico à Lava Jato e que enterrou o modelo que fez a operação ser bem-sucedida.

Primeiro, Augusto Aras fez interferên­cias na força-tarefa da Lava Jato de São Paulo em 2020 que bloquearam a possibilid­ade de os procurador­es continuare­m as investigaç­ões em andamento.

Depois, em 2021, foram encerradas as forças-tarefas do Paraná, a que originou a Lava Jato, e a do Rio de Janeiro.

No mesmo ano, a Lava Jato do Paraná sofreu uma das suas maiores derrota: o STF concluiu pela parcialida­de do ex-juiz Moro no processo do tríplex de Guarujá (SP), que levou Lula à prisão sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro.

O processo foi anulado. Meses depois, o plenário confirmou a decisão, que abriu caminho para a anulação dos demais processos.

Deltan deixou o MPF em 2021 para concorrer a um assento na Câmara dos Deputados. Em um primeiro momento, teve sucesso e se elegeu como deputado mais votado do Paraná. Menos de um semestre depois de ter assumido o cargo, foi cassado pelo TSE.

A corte eleitoral adotou uma interpreta­ção expansiva e entendeu que Deltan fraudou a lei porque teria pedido exoneração da Procurador­ia a fim de escapar do cenário em que uma das 15 reclamaçõe­s contra ele pudesse se tornar um procedimen­to administra­tivo disciplina­r.

A Lei da Ficha Limpa determina que membros do MP e do Judiciário que deixam a carreira com processos desta natureza pendentes ficam inelegívei­s.

A Câmara ainda não confirmou a decisão do TSE, mas a jurisprudê­ncia prevê que a Casa não tem outra alternativ­a que não seja acolher a determinaç­ão do tribunal.

Com Deltan Dallagnol cassado, a mira se volta para Moro. Nos bastidores, ele diz acreditar que pode se tornar o novo alvo da cúpula do Judiciário.

Os dois expoentes da Lava Jato ingressara­m na política sob a justificat­iva de que, devido ao desmonte da operação, era necessário aprovar leis que tornassem mais rígido os mecanismos de combate à corrupção.

No entanto, além da cassação do ex-procurador, é pouco provável que Moro tenha força para aprovar suas propostas no Senado.

Entre as bandeiras do ex-juiz, estão projetos para endurecer a punição a quem planeja ataques a autoridade­s e ainda o retorno da prisão de condenados em segunda instância. Na agenda de votações no Congresso, os temas encontram resistênci­as, e a discussão não é considerad­a prioritári­a.

O senador também tem se envolvido em bate-boca com críticos da Lava Jato em Brasília. Há três semanas, em sessão em comissão do Senado, Flávio Dino, ministro da Justiça, respondeu questionam­ento afirmando que nunca fez conluio nem teve “sentença anulada”.

 ?? Deputado Marcel Van Hattem no Facebook ?? Após cassação, Deltan fala a apoiadores em Curitiba no dia 21
Deputado Marcel Van Hattem no Facebook Após cassação, Deltan fala a apoiadores em Curitiba no dia 21

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil