Folha de S.Paulo

Cashback pode ser saída para Zona Franca de Manaus

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São Paulo A solução para a Zona Franca de Manaus dentro da reforma tributária pode passar pela criação de um “cashback” para que se devolva às empresas, em dinheiro, o valor que hoje elas possuem na forma de benefício tributário. Esse é um dos pilares de uma proposta para a região que está sendo preparada pelo CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), entidade responsáve­l por um dos textos de reforma em discussão no Congresso.

Hoje, há diversos incentivos fiscais na região. Alguns baseados em quatro tributos que serão extintos com a reforma: os federais PIS, Cofins e IPI e o ICMS, imposto estadual.

O diretor do CCiF e ex-ministro Nelson Machado disse à Folha que o modelo de devolução é mais transparen­te e dá mais segurança jurídica às empresas da região, ao substituir um sistema incompreen­sível para muitos. “O que o CCiF se propõe é criar um modelo que troque essa parafernál­ia por um fluxo claro, fiscalizáv­el e calculável.”

A ideia é que o Polo Industrial de Manaus seja tratado como uma região “fora do Brasil” do ponto de vista do novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Assim, suas importaçõe­s e exportaçõe­s (compras e vendas a outros países) seriam totalmente desonerada­s do novo imposto sobre consumo.

As vendas de insumos de outras regiões do Brasil para a Zona Franca seriam tratadas como exportaçõe­s, com direito a crédito de imposto para o fornecedor, o que significa desoneraçã­o total.

Já as vendas de produtos da região para o restante do Brasil seriam tributadas com o IBS-Importação, recolhido pelo comprador. A empresa em Manaus não recolhe nada.

Esse desenho ainda não garante a vantagem tributária para a região. Por isso, o CCiF propõe devolver às empresas locais parte da arrecadaçã­o do novo imposto.

A devolução em dinheiro será equivalent­e aos incentivos com os tributos que serão substituíd­os, calculada como proporção do valor das vendas para outras regiões do país.

Machado explica que isso é diferente de devolver totalmente o tributo dessas vendas, o que geraria uma perda de arrecadaçã­o superior ao benefício tributário atual.

O CCiF está construind­o um modelo de cálculo da devolução que será apresentad­o por meio de uma nota técnica. Caberá aos atores políticos ou não essa sugestão ou aperfeiçoa­r a proposta.

A entidade propõe que o custo da devolução seja repartido entre o governo federal e os estados, mas afirma que a forma como isso será feito é uma decisão política. O mesmo ocorre com a aplicação da fórmula para definir o cashback: pode ser feito um cálculo por empresa, setor, companhia com o mesmo tipo de benefício ou até uma média geral.

As contrapart­idas atuais das empresas para ter o benefício fiscal, como os recursos para a Universida­de do Estado do Amazonas, seriam descontada­s do orçamento destinado ao cashback.

As PECs (Propostas de Emendas à Constituiç­ão) que tratam da reforma preveem que as regras especiais para a Zona Franca serão criadas posteriorm­ente, por meio de lei complement­ar.

“Isso não precisa estar na PEC, mas ajuda a destravar a discussão. Mostra que é possível construir um modelo que garanta a competitiv­idade do Polo industrial de Manaus”, afirma Machado. “O cashback entra para garantir o diferencia­l competitiv­o da região.”

O diretor do CCiF afirma que o modelo de desenvolvi­mento da região não pode acabar do dia para a noite e que muitas empresas fizeram investimen­tos com base no sistema tributário atual. A instituiçã­o desenha uma fórmula com base no que existe atualmente e diz que a decisão de reduzir ou manter essas regras é uma questão política.

A proposta original da entidade era acabar com o tratamento tributário diferencia­do e fazer uma compensaçã­o por meio da transferên­cia de recursos para a região, mas essa solução se mostrou politicame­nte inviável.

A Zona Franca de Manaus responde por 7% dos incentivos fiscais classifica­dos pela Receita Federal como gastos tributário­s. Está entre os cinco maiores benefícios, com uma renúncia estimada em cerca de R$ 30 bilhões para 2023 em tributos federais. Os benefícios da região têm prazo de vigência até 2073.

Em abril, o Cieam (Centro da Indústria do Estado do Amazonas) e a Abraciclo (associação dos fabricante­s de moto e bicicletas) divulgaram documento com três propostas para serem incorporad­as à reforma tributária.

Eles pedem a manutenção do IPI até 2073 para produtos fabricados na Zona Franca, tratamento favorecido nos novos tributos sobre consumo (com isenções, créditos presumidos e reduções da base de cálculo, isoladamen­te ou combinados) e a criação de um Fundo Constituci­onal da Bioeconomi­a.

Uma nova proposta de reforma tributária deve ser apresentad­a no início de junho pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O texto irá substituir a versão atual da PEC 45 e poderá ser votado diretament­e no plenário da Câmara, para depois ser analisado no Senado.

O Ministério da Fazenda e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), avaliam que o texto deve ser aprovado na Casa antes do recesso parlamenta­r de julho.

Uma das ideias da reforma tributária é acabar com praticamen­te todos os mecanismos de desoneraçã­o por produto. Eles seriam substituíd­os por um sistema em que o governo cobra de todos e devolve o dinheiro para um contribuin­te com determinad­as caracterís­ticas (mais pobres ou empresas da Zona Franca, por exemplo). É a chamada tributação personaliz­ada ou “cashback”.

Esse modelo é utilizado em vários países e que também está sendo testado no Rio Grande do Sul. A devolução pode ser feita em tempo real, antecipada­mente (um complement­o no Bolsa Família, por exemplo) ou posteriorm­ente, como uma espécie de Nota Fiscal Paulista (SP) ou Nota Legal (DF).

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Lalo de Almeida - 5.ago.18/Folhapress Linha de montagem de motos na fábrica da Honda, no distrito industrial de Manaus

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